Revista de Nossa Senhora
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Partir do “Coração do Evangelho”

Publicado em 1 de julho de 2014 / Reportagens >

catequeseDepois de refletir sobre “Uma Igreja «em saída»” e sobre a “Conversão Pastoral”, o Papa Francisco na Exortação Apostólica “A Alegria do Evangelho” procura mostrar-nos que a transformação missionária da Igreja só será possível a partir do coração do evangelho. O núcleo da reflexão do Santo Padre é este: devemos ter presente que o conjunto das verdades reveladas propostas pela Igreja tem um centro, uma espécie de Sol, em torno do qual gravitam todas as outras afirmações da fé e que a elas confere seu sentido pleno. Sem a compreensão desse centro – o coração do evangelho – muitos ensinamentos da Igreja, embora baseados na revelação, tornam-se incompreensíveis e desinteressantes para as pessoas insuficientemente iniciadas na vida cristã. A título de exemplo: quem não fez a experiência do amor de Deus pela humanidade, oferecido a nós em Cristo, não pode compreender o significado da indissolubilidade do matrimônio.

E é preciso retomar sempre o coração do evangelho para que não passemos a impressão de que muitos ensinamentos da Igreja são imposição de dogmas ou de preceitos que ferem a liberdade humana e se opõem ao desejo e ao direito de ser feliz. A propósito assim se expressa o papa: “O problema maior ocorre quando a mensagem que anunciamos parece então identificada com tais aspectos secundários, que, apesar de serem relevantes, por si sozinhos, não manifestam o coração da mensagem de Jesus Cristo. Portanto, convém ser realistas e não dar por suposto que os nossos interlocutores conhecem o horizonte completo daquilo que dizemos ou que eles podem relacionar o nosso discurso com o núcleo essencial do Evangelho que lhe confere sentido, beleza e fascínio”(n. 34).

“Quando se assume um objetivo pastoral e um estilo missionário, que chegue realmente a todos sem exceções nem exclusões, o anúncio concentra-se no essencial, no que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário.”(n. 35) E mais adiante o Papa diz qual é o coração do evangelho: “Neste núcleo fundamental, o que sobressai é a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado.”(n.36). Quando no capítulo terceiro o Santo Padre trata do “Anúncio do Evangelho”, ele retoma de maneira mais clara qual é o coração do evangelho: “Voltamos a descobrir que também na catequese tem um papel fundamental o primeiro anúncio ou querigma, que deve ocupar o centro da atividade evangelizadora e de toda a tentativa de renovação eclesial.

O querigma é trinitário. É o fogo do Espírito que se dá sob a forma de línguas e nos faz crer em Jesus Cristo, que, com a sua morte e ressurreição, nos revela e comunica a misericórdia infinita do Pai. Na boca do catequista, volta a ressoar sempre o primeiro anúncio: «Jesus Cristo ama-te, deu a sua vida para te salvar, e agora vive contigo todos os dias para te iluminar, fortalecer, libertar». Ao designar-se como «primeiro» este anúncio, não significa que o mesmo se situa no início e que, em seguida, se esquece ou substitui por outros conteúdos que o superam; é o primeiro em sentido qualitativo, porque é o anúncio principal, aquele que sempre se tem de voltar a ouvir de diferentes maneiras e aquele que sempre se tem de voltar a anunciar, duma forma ou doutra, durante a catequese, em todas as suas etapas e momentos. Por isso, também «o sacerdote, como a Igreja, deve crescer na consciência da sua permanente necessidade de ser evangelizado». (n. 164). Traduzindo de forma prática a última frase desse trecho: Todos os dias eu devo de novo deixar ressoar em mim o coração do evangelho, o querigma. Sem essa volta às raízes o ensinamento da Igreja, sobretudo em matéria de moral, se torna um peso por não ser mais a resposta de amor que o discípulo deve dar a seu Senhor.

Aqui temos o maior desafio para a evangelização. Como, por ex.,oferecer uma catequese aos jovens que lhes penetre a vida se esses jovens não foram tocados pelo pessoa de Cristo a ponto de sentirem fome e sede de sua palavra? Sem a experiência do coração do evangelho, o conjunto das verdades da fé e dos preceitos morais do decálogo parecerão uma imposição vinda de fora e não valores que abrem caminho para uma vida humana digna e mais feliz. Finalizo este artigo com a palavra do Papa Francisco: “O Evangelho convida, antes de tudo, a responder a Deus que nos ama e salva, reconhecendo-O nos outros e saindo de nós mesmos para procurar o bem de todos…Se tal convite não refulge com vigor e fascínio, o edifício moral da Igreja corre o risco de se tornar um castelo de cartas (papel), sendo este o nosso pior perigo; é que, então, não estaremos propriamente a anunciar o Evangelho, mas algumas acentuações doutrinais ou morais, que derivam de certas opções ideológicas. A mensagem correrá o risco de perder o seu frescor e já não ter «o perfume do Evangelho»”(n.39).

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues – Arcebispo de Sorocaba (SP)