Caro(a)s Leitore(a)s, mês passado, nosso editor, Padre Air José de Mendonça, foi premonitório quando, antes da surpreendente notícia da renúncia de Bento XVI, colocou na capa de nossa revista uma foto do Papa, com o título: “BENTO XVI :
Fez do Reino de Deus e da Igreja a razão de sua vida e ministério, a Diaconia da Caridade na Igreja”, em referência à sua Carta Apostólica “De Charitate Ministranda”.
Por esses dias, já teremos o sucessor de Bento XVI, mas no mês passado o tema predominante em todas as camadas da sociedade, nas igrejas, na mídia, nas feiras e nos salões de barbeiro, passando pelos botequins, foi, fora de dúvida, a notícia da renúncia do Papa.
Usando e abusando da liberdade de expressão, a mídia escrita, falada e televisada nem sempre se houve com equilíbrio, tecendo considerações muitas vezes sensacionalistas, quando não ofensivas ao Papa e à Igreja.
Mas, felizmente a maioria dos cristãos católicos, além da curiosa expectativa, orou fielmente a Deus, pedindo que o Espírito Santo não apenas iluminasse os cardeais-eleitores, mas vencesse todas as resistências que se apoiavam em partidarismos, preconceitos e vaidades.
Atendidas ou não nossas expectativas de ordem humana, peçamos a Deus para que o novo pontífice seja o homem certo para a verdadeira renovação da Igreja em nossos dias.
A REDAÇÃO .
Mal encerramos os ritos finais da celebração Eucarística, um séquito de mulheres dispara para suas malocas num burburinho de palavras em sua língua materna. Na capela, ficam apenas o padre, o capitão e alguns homens; com o tempo, somente os dois primeiros. Ao cruzar a porta do templo, até onde a vista atinge, não vejo nenhuma daquelas mulheres. Com os olhos, inquiro o capitão que responde laconicamente: foram preparar a refeição.
Decorrido algum tempo, numa liturgia singular, percebe-se que as mulheres vão saindo de suas casas, uma por vez, como que orquestradas, formando uma fila, tendo à cabeça uma panela e outra na mão. Nesta havia Quinhapira, Mugeca ou Japurá; na outra, quela xibé, maçoca ou caribe. Religiosamente, elas são dispostas sobre a mesa, uma ao lado da outra, na casa comunitária, antiga maloca. Ao final, a exclamação, em Tukano: Tea Banar Paií! Tradução: “vamos comer, Padre!”
Após a oração, seguimos um novo cerimonial culturalmente estabelecido. Os primeiros a comer, são os homens. Dentre os homens, aqueles que aos olhos da comunidade gozam de elevada respeitabilidade: padre, capitão, catequista. Depois destes, os demais. Após todos os homens, as mulheres e as crianças. Antes de aventarmos essa possibilidade, deve-se dizer que não se trata de uma discriminação, mas de uma tradição indígena em que, sem deixar as mulheres sem comida, serve-se àqueles a quem se devota maior estima, maior apreço e consideração. Uma delicadeza!
Nessa refeição, vivências singulares do cristianismo primitivo são aprendidas. A partilha é fato ordinário, corriqueiro. Um valor indelével que marca cada um deles. À hora das refeições, todos se dispõem a oferecer o pouco que têm, comida para ser compartilhada. A convivência é intensificada. Todos são chamados a partilhar o mesmo espaço, trocar experiências, fatos e reminiscências de sua própria história. A fraternidade é acentuada. Sentar-se junto à mesa, como amigos e parentes, para saciar-se com o beiju e o xibé, frutos da terra e do trabalho humano e que, a cada ceia comunitária, se tornam motivo de redenção, salvação, confraria, congregação.
Impressionado diante dessa cena que consigo contemplar com os olhos da fé e do coração, bendigo a Deus. Reconheço, assim, quão evangélica é a conduta dos povos indígenas e ressignifico palavras como partilha, doação, convivência e fraternidade. Bendito seja Deus!
Pe. Reuberson Ferreira, mSC, trabalha no Alto Rio Negro, Diocese de S. Gabriel da Cachoeira (AM).
Mas para que serve a fé? Para o cristão a reposta é: serve para praticar a caridade, no sentido paulino, e para encontrar a Deus no sentido joanino.
Estamos em pleno ano da fé, proposto pelo Papa Bento XVI. Tempo de refletir sobre algo que faz parte da vida de milhões de pessoas pelo mundo afora. Os que não têm fé, ainda constituem uma minoria, mas ano após ano vão aumentando, inclusive no Brasil.
Ter fé consiste em algo bastante genérico. As pessoas costumam acreditar naquilo que elas querem. Isso abre infinitas possibilidades de crenças, das mais tradicionais às mais exóticas. Ter fé em última análise é crer em algo. No caso que nos interessa, falamos de uma fé colocada em um Deus. Com isso já chegamos a inúmeras possibilidades, entre elas, ser politeísta, ou monoteísta, ou seja, crer em vários deuses ou em um Deus só.
Nós, cristãos, somos monoteístas, descendentes de Abraão, assim como os Judeus e os mulçumanos. Cada um, porém, embora adorando um só Deus, entende a fé de maneira muito particular. Acredito que um olhar mais minucioso para nossa fé cristã é uma das propostas desse ano.
Mas para que serve a fé? Para o cristão a reposta é: serve para praticar a caridade, no sentido paulino, e para encontrar a Deus no sentido joanino. Para o apostolo Paulo, a fé sem obras é morta, portanto, sem sentido. Para o evangelista João, a fé só pode existir no amor ao próximo; afinal, se não amo o próximo que vejo, como amarei a Deus que não vejo? A comunidade crista, fiel aos ensinamentos de Jesus, entendeu e continua entendendo que a fé em Deus, só se reconhece através do serviço e amor aos irmãos. Madre Teresa de Calcutá entendeu muito bem isso quando disse: “as mãos que ajudam são mais sagradas que os lábios que rezam”. Em outras palavras: quem tem fé em Deus que é amor, traduz a fé em obras.
Mas se engana quem usa a fé para obter favores e segurança. Pra começo de conversa, a fé sempre pressupõe a dúvida. Onde há certeza, não precisa haver fé. A dúvida aqui não é incredulidade, mas confiança. Eu confio, por isso creio. Não vejo a Deus, não convivi com Jesus, mas confio na sua palavra testemunhada pelos que com ele conviveram. Confio na experiência de tantos homens e mulheres que, ao longo da história da salvação, receberam de Deus a missão de nos transmitir o que Ele desejava de nós.
Quem nunca questiona a sua fé, acaba acreditando em tudo. E nem tudo é crível. Muita coisa é mentira. Muitas “pregações” são falsas, é engano, são desprezo da boa fé dos fiéis. Quem não tem uma fé sólida, baseada na razão, como diz o Apostolo Pedro, se deixa levar. Por isso fomentar uma dúvida saudável, nos atiça o coração em busca das verdades divinas. Que seria de um Tomás de Aquino, ou de um Agostinho de Hipona, se não tivessem o coração cheio de duvidas? Certamente não teriam se tornado Doutores da Igreja. Não porque duvidaram tão somente, mas porque pensaram sobre Deus, e isso esclareceu e aumentou a fé que ambos já cultivavam.
Por isso, é bom rever aquilo que cremos e, sobretudo aquilo que praticamos. Uma coisa complementa a outra, e ambas podem nos levar mais para perto de Deus. Não somos iniciadores de nada. Milhões já creram antes de nós, mas também temos que dar nosso testemunho para os que virão depois. De maneira sóbria e evangélica procuremos conhecer mais o Deus em quem acreditamos, para Nele termos a vida eterna que esperamos, e que Ele mesmo nos prometeu.
Pe. Alex Sandro Sudré, mSC é pároco da Comunidade São José, em Campinas, SP
Tenho para mim que um olhar
Atinge com mais força
Que uma pedrada.
Quer algo mais desconcertante
Que um olhar de censura?
E o olhar de quem se ama?
Há algo mais penetrante?
Olhares há muitos no mundo.
Olhares de misericórdia, de medo
Olhares que sorriem e mesmo olhares de inveja.
Mas um olhar me intriga…
Que haveria de ter no olhar de Jesus de Nazaré?
Fez pescadores o seguirem, sem nunca o terem visto
Fez pecadores sentirem alegria redobrada de perdão
Olhar que salva, que liberta,
Olhar de ternura
que continua nos acompanhando…