“Cada dia, no mundo, renasce a beleza,
que ressuscita transformada através dos dramas da história.
Essa é a força da Ressurreição! “
(Evangelii Gaudium, 276)
Como irmãos no Cristo Jesus, celebramos o mistério que sustenta nossa fé: o Senhor Jesus está vivo, ressuscitou como havia dito aos seus primeiros companheiros. Por todos os recantos da terra, neste tempo de alegria, ressoa o louvor dos cristãos ao Deus de amor, que triunfou sobre o mal, que usou de misericórdia conosco, que manifestou seu grande poder ressuscitando seu Filho e mostrando sua misericórdia. Lembramo-nos de Santo Tomás de Aquino, que disse ser “próprio de Deus usar de misericórdia e, nisto, se manifesta de modo especial a sua onipotência” (Summa Theologiae)
Neste ano do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, convocado pelo Papa Francisco, nossa contemplação do Senhor Ressuscitado, é feita pela ótica da misericórdia. E não poderia ser diferente. Aquele que venceu a morte, que deu sua vida na cruz é a manifestação do rosto misericordioso de Deus. Seu corpo desfigurado pelos açoites, pelos cravos da cruz, pelo cansaço da subida do Calvário e pelo peso do madeiro é o mesmo corpo ressuscitado, glorioso e vencedor. Se na cruz, contemplando seu Coração aberto pelo soldado, vemos o céu aberto para nós e dali, jorrando sobre o mundo a fonte de misericórdia por excelência, também na sua presença ressuscitada, que traz as marcas da paixão, podemos contemplar sua infinita misericórdia.
Foi assim que Ele se mostrou a Santa Faustina, a vidente de Jesus Misericordioso, cuja festa em toda Igreja foi instituída por São João Paulo II, no Segundo Domingo da Páscoa, a 30 de abril do ano 2000, quando a canonizou. Mostrou-se ressuscitado, vencedor e fazendo jorrar de seu Coração os raios da misericórdia divina. Na homilia daquela solene celebração, disse o Papa São João Paulo II: “é necessário que também a humanidade de hoje acolha no cenáculo da história o Cristo ressuscitado, que mostra as feridas da sua crucifixão e repete: A paz esteja convosco!”
A Páscoa do Senhor Jesus é o triunfo da misericórdia de Deus. Se há uma forma de o amor vencer de forma definitiva, é pela misericórdia. Assim nos indicou o Papa Francisco, na Bula Misericordiae Vultus, ao nos dizer que “a Misericórdia é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro” e ainda, que ela “abre o nosso coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar de nossa limitação e nosso pecado” (n.2). Porque Jesus nos amou até o fim e ressuscitou, vemos nele, crucificado e ressuscitado, vivendo entre nós a esperança de que nós também podemos ser salvos e libertos de todo mal, graças a sua misericórdia que nos libertou, ao ressuscitar. Nesse sentido, podemos fazer nossa a oração do Salmo 103: “É Ele (o ressuscitado) que nos perdoa de todas as nossas culpas, que cura todas as nossas doenças; é Ele quem salva nossa vida do fosso e nos coroa com sua bondade e sua misericórdia”.
A Redação
Hoje, vivemos num mundo em que o fundamento das relações humanas se apoia na competição. Somos, equivocadamente, treinados, todos os dias, para competir: do estudo à política; do esporte à economia… O ensinamento predominante é que nossa ascensão e sucesso dependem da eliminação do outro. Programas televisivos como, por exemplo, o Big Brother, são um sucesso, pois nos ensinam como ganhar na vida, eliminando, pouco a pouco, todos os “concorrentes”. Essa é a lógica do mundo em que vivemos!
Mas, a proposta de Jesus nos indica o contrário. Um dos ensinamentos mais eloquentes que podemos aprender na escola do Coração de Jesus é a misericórdia. Jesus, em toda sua vida, palavras e gestos, nos ensinou a lógica de um coração que se movia de compaixão pelos sofredores. “Sede misericordiosos como também é o vosso Pai” (Lc 6, 36). Essa é lógica dos santos e servidores que aprenderam ser mais humanos e humanizadores com a pedagogia do Coração de Jesus.
Compaixão é, literalmente, “sofrer com”, ou seja, é estar com o outro, é ser “afetado”, “movido” pelas dores do outro. O Coração de Jesus movia-se de compaixão ao ver o sofrimento das pessoas… São tantos relatos nos evangelhos que corroboram esse “movimento” de Jesus para a solidariedade amorosa. Numa sociedade, como já mencionamos, que prega a competição para a ascensão a qualquer custo, mesmo eliminando o outro (concorrente), o caminho da compaixão é o caminho “descendente” que nos leva ao encontro dos que sofrem (companheiros). A compaixão e a misericórdia, nos recorda o papa Francisco, nos levam a um verdadeiro caminho de conversão, um caminho da autorreferencia para a cercania do outro.
Diz o papa: “Comove-nos a atitude de Jesus: não escutamos palavras de desprezo, não escutamos palavras de condenação, apenas palavras de amor, de misericórdia, que convidam à conversão” (MV).
Eis a pedagogia de Jesus: Ele, embora sendo de condição divina, desceu até nós, quando assumiu nossa natureza humana. Na fila dos pecadores que buscavam a conversão pelo batismo de João, lá estava ele, o “Filho amado”, em solidariedade amorosa a todos nós no caminho de reencontro com nossa humanidade perdida e com nossa salvação. Em seu “movimento descendente”, assumiu a condição de servo. Mais ainda, na Última Ceia, quando nos deixou o sacramento do amor, fez-se escravo ao lavar os pés humanos. Nada podia interromper sua escalada ao revés: morreu como “maldito”, conforme a Lei, para descer e nos alcançar em nossas profundas misérias. Após a morte, para “buscar” nossos primeiros pais, aceitou descer até a mansão dos mortos, pois era preciso que sua compaixão curasse as feridas de todo ser humano, desde Adão, passando por Caim, que ludibriados pela serpente do mal, acreditaram poder ser “como Deus”, eliminando o irmão. Enfim, na eucaristia, Ele desce, cada vez, agora na pequenez e simplicidade do pão e do vinho, para gerar comunhão. Isso é compaixão: ser alimento e presença efetiva na vida do outro. Jesus nos ensina que a vida de compaixão não é um heroísmo a ser premiado, mas uma proposta concreta, um caminho de “descida” para a solidariedade. Se hoje já podemos dizer que o “nosso coração está em Deus” é porque, primeiramente, Ele desceu até onde estava nosso coração.
Ter misericórdia e compaixão, não é apenas “ter dó” de alguém. Esse sentimento pode ser “resolvido” quando damos alguma coisa, como dinheiro por exemplo. Compaixão é, a exemplo de Jesus, aproximar de quem sofre, e estar ao seu lado e sofrer com ele, em muitos casos, sofrer por ele. É doar-se!
Prestemos atenção ao nosso cotidiano. A misericórdia se vive no dia a dia e onde estamos. “A misericórdia é a trave mestra que sustenta a vida da Igreja” (M.V.)
No Coração de Jesus.
Deus se revelou misericordioso, de maneira total e completa através da pessoa, das ações e palavras de Jesus de Nazaré. Quem O vê, vê o Pai (Jo 14,9).
Anselm Grun escreve: “Alguns acham que no Antigo Testamento Deus estaria descrito como juiz, mas, isso seria uma interpretação unilateral do Antigo Testamento. Deus é sempre misericordioso, mesmo no Antigo Testamento; a misericórdia é sua essência. Jesus colocou a misericórdia divina no centro de sua mensagem. E ele mesmo tratou a humanidade de maneira misericordiosa.” (Para que o mundo se transforme, p. 16)
É essencial que creiamos no Deus misericordioso. Deus nos criou para sermos instrumentos dele, para sermos misericordiosos também.
Estamos vivendo o ano da misericórdia, tempo de reflexão, de despertar. Com nosso testemunho, devemos mostrar que Deus é amor, ternura e misericórdia. Ele nos ama, ama sua criação com o amor mais profundo que só pode existir n´Ele. Ele é Pai que acolhe e se aproxima de nós. Jesus veio nos revelar o Pai e nos dizer que Ele é Pai e Mãe também. Ele é o Paizinho, Papai.
Para que o Cristo viesse habitar no meio de nós, Maria foi escolhida como o instrumento de Deus na realização do Plano da Salvação. Maria disse SIM à sua missão, a mais sublime que uma mulher poderia abraçar. De sua parte, ao dizer Sim, agiu com misericórdia. Em sua ternura e compaixão, ela se colocou à disposição do Pai e abraçou, com coragem, a vontade do Senhor. Em sua humildade ela mesma cantou em seu magnificat: “Sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem”. (Lc. 1,50)
Convido vocês, leitores e leitoras da Revista de Nossa Senhora, a meditar sobre Maria como a mulher misericordiosa, porque, além de ter sido o sacrário do Deus feito homem, ela o trouxe à luz, segurou-o nos seus braços, o amamentou e cuidou dele como menino, adolescente e jovem. Essa proximidade de Maria com seu filho Jesus fez dela a mulher mais capaz de nos ensinar o caminho da misericórdia, caminho este que pode ser percorrido somente com muito amor, perdão, fé operante e abertura à graça.
As palavras e conselhos do Papa Francisco sempre me levam a considerar Maria, exemplo vivo da misericórdia do Coração de seu Filho. Maria se torna “a jovem em saída”! Lembremo-nos dela ao se colocar a caminho para visitar sua prima Isabel. Sensibilizou-se, foi fazer-lhe companhia, ajudou-a nas necessidades, partilhou com ela suas experiências e as palavras transmitidas pelo Anjo Gabriel, e, com certeza, orou junto com a família de Isabel. Maria é Igreja em saída. Que exemplo para nós! O que nós devemos ser ela já foi.
Que nossa Mãe, Nossa Senhora do Sagrado Coração, nos ajude a viver com mais autenticidade a nossa fé, a praticar as obras de misericórdia, tanto materiais como espirituais. Somente assim podemos tocar as pessoas, especialmente as que mais precisam.
Jesus nos designa para sermos mensageiros de sua misericórdia. Somos enviados ao encontro de quem está cansado e esgotado, das pessoas feridas e desnorteadas. Assim como Jesus, assim como Maria, devemos nos tornar misericordiosos para com as pessoas, abrir o nosso coração para elas e tratá-las como Jesus as tratou.
Irª Maria da Luz Cordeiro, Filha de Nossa Senhora do Sagrado Coração. Curitiba (PR).