Passadas as grandes festas, o tempo do Advento que nos preparou para o Natal e a Epifania, vamos entrar na Quaresma, que nos prepara para a Páscoa, coroada pelo Pentecostes, prosseguindo no chamado Tempo Comum, entremeado pelas festas da Trindade, de Corpus Christi, Sagrado Coração e festividades de Nossa Senhora, encerrando mais um ano com a festa de Cristo Rei. E tudo vai se repetir outra vez . . .
“Tempus Fugit”, a ampulheta do tempo deixa escorrer a areia dos dias e das horas e os comunicadores da Boa Nova também continuam a repetir, com jeito novo, estilo diferente e novo ardor missionário, aquelas mesmas mensagens que não passam.
É o que procuram fazer os colaboradores de nossa revista. Vejam os temas: liturgia, missões, vocações, notícias da Igreja, testemunhos dos devotos, catequese e manifestações de nossa espiritualidade congregacional, quando focalizamos o Coração de Cristo e Maria, Nossa Senhora do Sagrado Coração. Tudo isto para atender ao chamado fundamental de Jesus: o tempo chegou! O Reino está no meio de vós, convertei-vos e crede no Evangelho!
Pois é, caros leitores, vocês acham que nós cremos só pelo fato de rezarmos o Credo? Talvez, sim. Mas não basta recitar, declamar as verdades da fé. Crer é acreditar numa pessoa que tem autoridade para ensinar, mesmo quando nos fala de coisas que não podemos compreender. Crer consiste em aderir a uma pessoa, no caso, Jesus Cristo. Adesão supõe rupturas, podas , mutilações . . . Numa palavra, supõe conversão. E em matéria de conversão, seremos sempre eternos aprendizes.
Que nesse tempo especial da Quaresma, essas páginas nos ajudem no processo de nossa conversão.
A REDAÇÃO.
Você, caro leitor ou leitora, que tem essa revista nas mãos, faça a gentileza de responder a esta minha pergunta: você conhece alguma coisa mais bela, mais inspiradora, mais impressionante do que a Criação? Não? Pois é. Nem eu.
Um exemplo, só para ilustrar. Poucas coisas neste mundo me deixam tão extasiado como o amanhecer. O ar fresco da manhã, a cidade que acorda… A luz dourada vai lentamente transfigurando tudo. Mistério da vida: que será do dia de hoje? Fazemos uma prece, é Deus quem cuida de nós. Então saímos para a rua, rumo ao trabalho, à escola ou ao lugar que for. Vemos as pessoas, algumas tristes, outras tantas eufóricas. No ônibus a mulher grávida senta-se e acaricia a barriga como se pensasse em como serão os olhos, o nariz de sua criança: “Com quem se parecerá?”. Homens riem tomando café na padaria, alimentando-se de amizade; uma senhora esbraveja no ponto de ônibus: o motorista não a viu dar o sinal e passou direto. A vida pulsa em cada canto, em cada canto um louvor, mesmo silencioso, Àquele que criou isso tudo. A vida é maravilhosa e ser humano é um prazer quando se vive em plenitude. Realmente, Deus é um artista de mão cheia. A vida humana prova isso.
Parece que quem escreveu o livro do Gênesis partilhava dessas mesmas sensações. Ao colocar por escrito a inspiração divina, no belo poema que relata as origens do nosso mundo, contemplamos o Senhor trabalhando: “Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e que eles dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra’. Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou. (…) Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom.” (Gn 1, 26-27. 31).
Era muito bom e continua sendo! Deus ama apaixonadamente este mundo e tudo o que há nele. Um cristão dos primeiros séculos da Igreja, Isaac de Nínive, em seu tempo já costumava dizer que “Deus só pode amar. Deus é ternura!”. E esse amor vai tão longe e tão profundamente que ousa lançar-se nos braços da humanidade! Como a criança se joga nos braços do pai, porque tem certeza de que o pai irá segurá-la, O Filho de Deus lança-se nos braços da nossa humanidade. O próprio Senhor faz-se humano, sem deixar de ser Deus.
Mas de onde vem isso? Que amor é esse? Bom, meditando a Palavra de Deus, parece que não somos os únicos a querer entender essa paixão sem limites, que aos nossos olhos pode até parecer exagerada, uma vez que erramos tanto… “Quando vejo o céu, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que fixaste, pergunto-me: que é o ser humano, para dele te lembrares, e um filho de Adão, para que venhas visitá-lo? E o fizeste pouco menos do que um deus, coroando-o de glória e beleza”. (Sl 8, 4-6)
O amor tem dessas loucuras. Quando amamos, nos entregamos completamente, ficamos vulneráveis. Estranha lógica essa, mas, como dizia Pascal, filósofo francês do século XVII, “O coração tem razões que a própria razão desconhece”. Deus, ao fazer-se homem, assume um coração humano. Como compreender suas razões? Não se compreende. O mistério que se encerra nesse acontecimento não se explica; simplesmente se vive.
Diante de tantas razões para se amar a humanidade, fico impressionado com a quantidade de gente que, às vezes, até em nome da religião, parece desprezar tudo que é humano, como se tudo que dissesse respeito ao corpo e ao mundo fosse mau. É bem verdade que frequentemente nos desviamos da nossa vocação de filhos de Deus e nos esquecemos de que, sendo filhos do mesmo Pai, somos irmãos. E daí surgem os desentendimentos, ódios, guerras e assassínios. Mas essa não é nossa natureza, é fruto de um ambiente, de uma situação. “Deus viu que tudo era bom”, criou-nos à sua imagem. Enfim, em duas palavras, somos bons!
Mas vamos agora olhar para Maria, razão deste artigo.
Ao vermos a bondade com que Deus nos cria e a maldade de que somos capazes, pode ser que a gente pense que existe uma contradição nisso. Porém, se olhamos para a Maria, entendemos perfeitamente que não há contradição, mas uma cooperação. Uma cooperação que deve haver entre nós e a vontade amorosa de Deus. Ele não pede que sejamos super-homens e super-mulheres. Quer apenas a nossa felicidade seguindo a sua vontade. Mesmo fracos, ele vem em nosso socorro. E Maria entendeu isso, veja só: “Minha alma engrandece o Senhor, e meu espírito exulta em Deus, meu Salvador, porque olhou para a humilhação de sua serva. Agiu com a força de seu braço, dispersou os homens de coração orgulhoso. Depôs poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou. Cumulou de bens a famintos e despediu ricos de mãos vazias.” (Lc 1, 46-48. 51-53). Deus não escolhe os mais ricos, os mais inteligentes, os mais poderosos. Escolhe os mais simples, os que estão dispostos a ouvir sua vontade e colocá-la em prática. Escolhe aqueles que, apesar de suas fraquezas e contradições, ousam lançar-se no seu seguimento, colocando toda sua esperança em Deus. Ele sabe que nossa natureza humana é fraca, mas a ama mesmo assim!
Incoerências todos nós temos. Nem sempre somos fiéis. Mas isso não é motivo para desespero. Fala-nos a Palavra de Deus em resposta. Abrindo a Bíblia, encontraremos pecados em Adão, em Moisés, em Davi, nos demais reis de Israel. Veremos erros nos Apóstolos, deslizes em Pedro e Paulo. Isso fez deles pessoas más? Não. Porque confiaram que não existe santo sem passado, nem pecador sem futuro. Todos pecamos e podemos contar com a Graça. E a experiência de Deus passa justamente pelas nossas fragilidades, pelos nossos erros. Foi o próprio Paulo a dizer esta lição: “com todo o ânimo prefiro gloriar-me das minhas fraquezas, para que pouse sobre mim a força de Cristo. Por isto, eu me comprazo nas fraquezas, nos opróbrios, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por causa de Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte. (2 Cor 12, 9-11). O mais importante é, ainda que haja erros, não desistir de tentar acertar, sempre. Este é o segredo do caminho da santidade.
É bem verdade que cremos que Maria foi agraciada por nascer sem pecado original. Mas isso não fez dela uma deusa, ou seja, ela continuou humana, com todas as dificuldades da vida diária que todos nós temos. Mas a sua disposição em fazer a vontade de Deus a torna impossível de ser ignorada. Mais que ninguém ela foi exemplo de confiança, assumindo o risco de apresentar-se a José, grávida, sem ser ele o pai da criança. Precisou confiar em Deus diante da perseguição de Herodes e tantas outras vezes.
E nós, tantas vezes nos queixamos quando sentimos o Espírito apontar em nossa vida o que o Pai nos pede. Às vezes é um serviço na Igreja, outras tantas é um apelo de reconciliação com alguém, ou mesmo o deixar de calar-se diante de uma injustiça. Dizemos que somos pecadores demais para assumir um compromisso, e até achamos que não somos amados por Deus por causa de nossos erros… Como se Deus fosse um carrasco que olha mais para nossos erros do que para nossas potencialidades.
Por isso, convido você a ter sempre por perto a imagem dessa mulher magnífica, chamada Maria. Que ela o inspire nos momentos de dificuldade, em que tudo parecer difícil, em que os desafios da vida parecerem intransponíveis. Saiba, ela permanece sempre ao seu lado e à sua frente para o conduzir a Deus. Ela é a amiga, a conselheira, a animadora, a mãe. Mulher igual a todas as mulheres, e ao mesmo tempo toda diferente, pois está embebida de Deus, como um pedaço de pão mergulhado no vinho. Toda de Deus e toda do povo.
Fr. Fernando Clemente, MSC, é Seminarista religioso e cursa o 2º. Ano de Teologia.
Quando a comunidade deixa de ser fermento, faz-se necessário o despertar profético de quem permanece vigilante.
INTRODUÇÃO
Aqui queremos refletir sobre nossa caminhada de vida missionária e os desafios que temos diante de nós. Da realidade vem o apelo para que uma voz grite no deserto anunciando uma nova vida em meio aos sinais de morte.
COMUNIDADE PEREGRINA
Uma comunidade missionária sempre deve ser peregrina. Consciência missionária e a idéia de caminho estão sempre juntas. A comunidade sempre vai estar aberta aos novos desafios e às novas realidades quando a escuta da Palavra e o discernimento não estão distantes da vida. No contexto de hoje, esta dinâmica significa estar na contramão da corrente cultural que privilegia o comodismo e a vida fácil. A comunidade discípula é construtora de novos caminhos no meio da realidade difícil em que vivemos,anunciando a Boa Nova de Jesus Cristo.
Fico olhando para centenas de trabalhadores/as e milhares de crianças e jovens que passam nestas ruas do bairro de “San Alejo”, onde vivemos. Apesar da pobreza e da vida difícil que todos/as enfrentam nestas condições subumanas, todos/as que passam se confundem com caminhantes de qualquer outro contexto. Expressam o modo de ser ao estilo de vida da classe media: vida de consumo, busca de comodidade, sentindo-se dentro da moda cultural do momento.
Neste estilo de vida os valores da competição, da ambição e do individualismo sobressaem, criando o sentimento de que na vida prevalecem os mais fortes, elegantes e o prestigio de apresentar-se bem. Diante disso, nos perguntamos, cómo anunciar o Evangelho como uma opção de vida? Despertar o sentido de comunidade não é uma tarefa simples na atualidade, pois os valores sócio-culturais contagiam a comunidade cristã. Nestas mudanças rápidas, a comunidade missionária tem o papel profético e anunciador de uma nova visão de vida, testemunhando, aqui e agora, a presença do Reino de Deus.
Viver e assumir um estilo de vida evangélica neste ambiente desperta medo de sentir-se fracassado, de estar perdendo tempo, de ficar sem promoção social e marginalizado. Por isso, quando falamos de VRC, o testemunho deve ser comunitário, como elemento principal na evangelização transformadora. A comunidade é a fortaleza da experiência missionária. Quando a comunidade deixa de ser fermento, faz-se necessário o despertar profético de quem permanece vigilante. Na historia do povo de Deus, os profetas estavam sempre na contramão da pratica sócio-política e religiosa.
OS ACONTECIMENTOS FALAM DE DEUS
Quando encontramos realidades-limites e desafiadoras, a luta para sobreviver supera os medos e os temores. Nesta semana, fomos visitar os doentes da comunidade e começamos pelos que estavam no hospital. Ali encontramos uma jovem com leucemia. Ela revelava um semblante de esperança e confiança. Ela já havia passado pela quimioterapia, mas isso não quebrou o seu animo. Ela nos acolheu com um sorriso no rosto, falando serenamente de sua doença, que faltava pouco para sair daquele quarto de hospital. Enfrentava o sofrimento com sobriedade, com consciência de sua condição, mas com esperança.
Ao sair de encontro com os fragilizados da vida, acabamos surpreendidos pelo valor como muitos/as enfrentam essas situações-limites. Medem a vida pela capacidade de resistir, de superar e encontrar luzes nos pequenos acontecimentos como sinal de que as coisas estão melhorando. Por isso, não se cansam e não desanimam com a condição em que vivem. Nossa comunidade religiosa msc, aqui, é bastante débil pela quantidade de problemas que temos de enfrentar e desafios por construir. Mas, não têm faltado leigos/as que se juntam a nós no trabalho. Alguns/as carregam esta pratica de outros trabalhos anteriores que já semearam sementes neste chão, e outros acabaram entrando pelo testemunho. Ou seja, os sinais de que Deus atua no meio das situações são evidentes, mas não basta. É necessário encontrá-lo e alimentar a fé nesta relação.
A comunidade, para ser missionária, depende de vários movimentos que ocorrem na dinâmica dos acontecimentos: de um lado, as comunidades eclesiais que não estão livres dos pecados sociais que destróem as relações fraternas; por outro lado, a vida comunitária religiosa também cai nas mesmas tentações do narcisismo e da acomodação.
Hoje, uma das praticas mais difíceis na vida de grupo é sentar para avaliar porque o individualismo supõe que ninguém deve prestar conta a ninguém. Temos medo de enfrentar nossas debilidades porque nosso espelho de cada dia nos da uma visão bonita de nossa vida, escondendo o lado escuro da nossa infidelidade ao Evangelho.
CONCLUINDO
Sentimos que a situação não está fácil. Sem dúvida, o testemunho do Evangelho é urgente. São muitas as contradições que confundem qualquer mente desatenta. A complexidade da vida faz com que nos acomodemos e deixemos o barco andar sem saber para onde vamos. Entretanto, é hora do silencio e da escuta atenta aos sinais de Deus na historia.
Pe. Antonio Carlos Meira, mSC é missionário no Equador.