Revista de Nossa Senhora
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Você acessou a Edição Janeiro – 2011

APRESENTANDO . . .

JANEIRO está aí e não poderíamos estar em melhor companhia do que começar o ano lembrando a maternidade divina de Maria, festa relativamente nova no calendário litúrgico, iniciativa do Papa Pio XI, em 1931, a fim de celebrar o quinto centenário do Concílio de Éfeso. Louvando a Virgem, Ir. Marta, FNSSC, escreve sobre Maria, a bem-aventurada. Discorrendo sobre Deus todo poderoso, Padre Paulo Roberto nos lembra que o poder de Deus não é algo abstrato, mas relacional.

Caro leitor, continue que você vai apreciar ainda a tão aguardada coluna do Padre Agenor, desta vez falando sobre o exercício da liderança.

Na página Santuário em seu Lar, vamos encontrar a nova série OLHARES, a saga de leigos que, na década de 50, vieram do interior para Vila Formosa, São Paulo, e aqui tomaram conhecimento do santuário e se encantaram com a devoção e com a comunidade.

Padre Antônio Carlos, missionário no Equador, sobre o interessante resultado de uma pesquisa sobre práticas e costumes da terra na celebração de Finados.

Você vai ler ainda os comentários litúrgicos do Padre Tarcísio Francisco, o artigo do Padre Zezinho sobre a influência de uma certa mídia invasiva que violenta nossa juventude, bem como um texto do Padre Alex, sobre a esperança, focalizando o drama dos mineiros do Chile, no deserto de Atacama. E no finzinho, página colorida, a esperada coluna do Padre Reuberson, jovem missionário na Amazônia, contando-nos cenas pitorescas de um dia de desobriga às margens do rio Negro.

Caro leitor(a), que essa leitura lhe faça bem.

A Redação.

“O essencial é invisível aos olhos”

A frágil rosa amarela parece falar-nos de uma realidade que é muito nossa, está em cada um de nós, mas que parece estar soterrada por uma avalanche de coisas e trabalhos que nos consomem dia após dia.

Texto: Pe. Lucemir Alves Ribeiro, mSC

Gratuidade! Essa parece ser a palavra que melhor encontro para tentar definir algo simples, quase estranho, mas cheio de uma beleza misteriosa que salta aos olhos de quem ousa perder tempo para contemplar pela manhazinha, o desabrochar de um pequeno botão de rosa amarela ainda salpicado do orvalho do dia que está iniciando. O movimento de “desabrochar” que parece ter sua origem dentro mesmo do pequeno botão, vai aos poucos, bem devagar, tomando conta de todas as suas pétalas, ainda escondidas e protegidas uma sobre a outra. A impressão que se tem, é que este movimento que aos poucos vai dando forma a uma jovem rosa, faz com que ela se entregue toda, com tudo aquilo que nela havia sido guardado, gestado, deste o momento em que um pequenino broto tomou forma e foi crescendo. Já não há mais nada escondido. As folhas amarelas, com pequenas diferenças de tonalidade de cor nas pétalas, estão abertas, generosas, doadas, exalando beleza e perfume simplesmente porque foram criadas para isso, sem esperar nada em troca! Gratuitamente!

Estranha lógica, poderíamos pensar. Como ela pôde expor tudo o que tinha, num espetáculo único, sem mesmo querer ter uma pequena plateia para admirar sua beleza? Como pôde não se importar com elogios, mais do que merecidos? E o pior: que utilidade tem tudo isso, se dentro de poucos dias, não haverá mais rosa nenhuma, e talvez nem mesmo a lembrança de que ela existiu?

A frágil rosa amarela parece falar-nos de uma realidade que é muito nossa, está em cada um de nós, mas que parece estar soterrada por uma avalanche de coisas e trabalhos que nos consomem dia após dia. Ela é admirada por nós no seu oferecer tudo o que é, porque nos fala da singeleza da gratuidade. Uma das características mais indeléveis do amor: dar sem esperar nada em troca. Doar-se porque se ama. Perder tempo, porque isso torna o outro mais feliz. Estender as mãos porque elas foram feitas especialmente para isso: ir de encontro com o outro, doando-se. Em meio a tantos interesses escusos, a uma busca sempre desconfiada de terceiras intenções nos relacionamentos, a um frenesi utilitarista que somente vê lucro, interesses de poder e status, somos convidados a contemplar rosas! Estranho, não?… Mas é isso mesmo. Aprender com as coisas simples. Ter gosto e prazer em reaprender a amar em gestos pequenos, descomplicados, como um sorriso, o preparo de uma mesa, o dar lugar de assento a outra pessoa, o escutar com atenção quem nos dirige a palavra, o desejo consciente de diminuir o ritmo acelerado da fala e das atividades. Quanta coisa teríamos.

Alguém já nos ensinou tudo isso com maestria. Alguém já perdeu tempo em ir de encontro de pessoas que aparentemente não tinham nenhum valor. Perdeu tempo contando estórias de pardais e lírios dos campos, de ovelhas e semeadores, de vinhas e moedas perdidas. Alguém nos ensinou que amar é assim mesmo, se aprende na vida, amando e amando de novo, recomeçando todo dia… gratuitamente. Jesus de Nazaré viveu e morreu assim. E continua vivo entre nós, se de novo vivemos essa realidade, cultivamos esse sonho, essa aventura de continuar a plantar sementes que transformem o mundo num jardim, num constante Éden, de preferência com muitas rosas amarelas para serem vistas e admiradas. Continuar este sonho depende de nós, que dizemos segui-lo. Que seu Espírito continue a suscitar em nós a ousadia de “perder tempo” com o que de fato importa, com o que pode nos ajudar a sermos pessoas mais livres no amor, simples e desapegadas, descomplicadas e próximas, confiantes e capazes de se oferecerem com gratidão e gratuidade.

Pe.Lucemir Alves Ribeiro, mSC é Diretor da Casa de Filosofia, em Campinas, SP.

Nossa Memória viva e celebrada

A missa é comum nos relatos, dos mais sofisticados da cidade até os antigos onde as tumbas se perdem na historia do tempo.

Texto: Pe. Antonio Carlos Meira, mSC

Introdução

Estimado leitor, faço uma ligação do fato de celebrar a esperança no dia de Finados e a historia que vivemos como Missionários do Sagrado Coração. Na verdade, podemos dar muitas voltas na vida, mas não podemos perder a esperança. Para isto, a celebração recorda o passado e é motivo para arrancar a coragem dos primeiros que iniciaram o caminho, deixam marcas no chão para que assumamos a missão com o mesmo entusiasmo daqueles sonhadores de primeira hora.

Celebrar a Esperança com os Finados

Fazer memória de nossa história. Uma tarefa importante para as novas gerações num tempo em que o presente passa quase absoluto, esquecendo-se dos antepassados. Olhar o passado não significa voltar atrás, senão avançar conhecendo o espírito de nossas origens. Um dos grandes problemas que encontramos na formação da juventude hoje é a perda do significado da historia. Contenta-se com o viver o hoje, sem passado e sem futuro. (conf. DA 44)

Quero comentar uma pesquisa que mandei como tarefa de casa para os alunos leigos com quem trabalho, dando aula aos sábados, no seminário diocesano. Um grupo heterogêneo, com gente de todas as classes da cidade e do campo, e de todos os níveis de formação: de universitário a gente simples. Para Finados, pedi uma tarefa investigativa de observação dos cemitérios, e que buscassem dar a sua interpretação, como matéria de escatologia.

Ontem, li mais de cinquenta trabalhos que relatavam uma variedade de experiências baseadas em crenças, lendas e sentimentos das pessoas entrevistadas. Por exemplo, numa comunidade um pouco distante daqui, um fato curioso chamou a atenção de todos. Nesse dia os mortos são recordados com uma comida familiar, cozinhada a dois metros de profundidade embaixo da terra, ou seja, num buraco. Estas comidas são assadas, distribuídas entre os familiares, uma parte é deixada para que o morto venha comer durante a noite.

Noutros lugares, preparam, de igual maneira, iguarias para os mortos, acreditando que na noite do dia 02 de novembro, eles voltem a comer, participando da comida feita para toda a família, ou seja, Finados é celebrado como parte da família. Por isso, ganha importância para todos, o significado da continuidade da historia desta vida para a outra. Ao mesmo tempo, em que num cemitério uns celebram a memória dos que se foram, noutro cemitério, numa cidade não muito longe, o costume é deixar o nome dos familiares escrito na tumba; outros contratam cantores com suas musicas tristes ou alegres, para cantar nas tumbas.

A missa é comum nos relatos, dos mais sofisticados da cidade até os antigos onde as tumbas se perdem na historia do tempo. Uma das crenças é que cada vez que se celebra uma missa para o finado, a alma vai se livrando das penas no purgatório.

Seria bastante recordar outras historias. O mais importante foi recordar e meditar com os alunos como o passado nos faz viver a esperança no futuro, com os compromissos no presente. A tarefa de sonhar e viver a vida, aqui e agora, com alegria na fé da ressurreição.

Nosso Passado, Presente e Futuro

Essa dinâmica do passado, do presente e do futuro, fez-me pensar ao celebrar a nossa historia como MSC, no meio de uma variedade de culturas, desde a realidade brasileira. Nestes cem anos de presença dos MSC no Brasil, o mundo deu um giro que os primeiros missionários levariam um susto ao ver as realidades onde começaram e sonharam com a fundação da congregação. O mundo rural quase desapareceu nas ultimas décadas, as fronteiras escolhidas como desafios missionários, de repente foram invadidas pela cidade, por uma cultura quase incompreensível para quem não acompanhou as mudanças. Os desafios missionários mudaram de lugar e agora pedem novas respostas para as gerações presentes.

Contudo, o desconhecimento do processo faz com que fixemos os ideais olhando para trás, pensando que aquele mundo era ideal e que devemos permanecer no sonho dos primeiros. O itinerário missionário foi forçado a mudar de enfoque com os novos ventos do mundo atual e do processo da historia. Voltar às raízes é uma das tarefas nesta celebração dos cem anos. Mas, é perigoso cair na tentação de querer repetir as mesmas obras daqueles primeiros missionários. No entanto, é preciso assumir com valentia e coragem os novos desafios que marcam a identidade do carisma missionário, como batizados e como consagrados à vida religiosa. Sobretudo, fortalecer a identidade de nossa vida própria como Missionários do Sagrado Coração de Jesus. Sonhar e festejar o passado heróico de nossos antepassados significa antecipar o futuro, numa feliz esperança de que tudo se completa em Jesus Cristo, no amor ao seu coração que sangra com os que sofrem com a miséria o abandono nas ruas, os excluídos da terra.

Nas celebrações festivas, encontramos base para meditar nossa trajetória na historia do mundo. Na consciência popular está presente a transição de nossa peregrinação na terra, nossa passagem por lugares diferentes, onde morremos e renascemos com os sofrimentos do povo.

Pe. Antonio Carlos Meira, mSC é missionário no Equador