Junho é o mês de nossos santos populares, Pedro, Antônio e João Batista, os santos das festas juninas, com quadrilhas, fogueiras e balões, celebrações trazidas de Portugal, sem muito conteúdo espiritual e teológico. Por exemplo, João Batista, quem diria, o santo austero, o batizador das margens do Jordão, se transmuda em santo festeiro, pendurado na ponta dos mastros de nossos terreiros juninos …
Mas junho é também o mês dedicado ao Coração de Jesus, cuja festa litúrgica, este ano, será celebrada no primeiro dia do mês seguinte. É verdade que nossa revista é de Nossa Senhora e procura realçar a devoção e a espiritualidade da Mãe de Deus, mas o seu título de Nossa Senhora do Sagrado Coração, ao menos indiretamente, focaliza também o mistério do amor de Deus simbolizado no Coração do Filho. Prova disso é o artigo sobre Maria, na teologia de Lucas, segundo o Padre Bovenmars, um confrade holandês, bem como a matéria do Padre Cortez, tematizando as palavras de Jesus, na cruz, quando
nos deu Maria por mãe: “ao apontar para o Coração de seu Filho, ela nos ensina que, quando o espírito chega ao nosso coração, o medo se vai, as portas se abrem, a noite se faz dia.”
Além daquelas colunas com os temas costumeiros, vocês vão compartilhar conosco o coroamento dos festejos alusivos ao centenário da chegada dos primeiros Missionários do Sagrado Coração ao Brasil, como a assembleia em Atibaia, a visita sentimental a Pouso Alegre, local onde nossos confrades iniciaram seus trabalhos e, afinal, a eucaristia solene e o almoço festivo na cidade de Itajubá, onde os missionários trabalham há quase 100 anos.
Que essas páginas, falando de nossas coisas, nossos trabalhos e nossas aspirações, sob o olhar e a proteção de Maria, ajudem vocês, caros leitores, a partilhar conosco o canto de ação de graças que elevamos ao Senhor.
LAUS DEO ET MARIAE !
A Redação.
Texto: Pe. Antonio Carlos de Meira, mSC
Apresentamos aqui, neste espaço mensal da “Revista de Nossa Senhora”, uma pequena síntese de um trabalho que fizemos em função da formação da vida religiosa equatoriana, portanto, vários pontos apresentados aqui, foram trabalhados em equipe. Trata-se de uma tentativa de encontrar caminhos dentro dos novos panoramas culturais, dentro das grandes mudanças do mundo atual. Todos sabem que não é uma coisa simples, mas toda tentativa de fidelidade ao Evangelho nos parece valida. É uma visão missionária, mais que tudo.
Vivemos uma profunda transformação na maneira de conceber o mundo, onde a compreensão do tempo e do espaço vai mudando, o que leva a um sem-número de mudanças em nossa convivência diária. Como entender as novas linguagens que invadem todos os âmbitos da família, da religião e da sociedade?
Na vida cotidiana sentimos o desencontro das expressões culturais, religiosas até agora consideradas sagradas. Estes movimentos transformadores são acelerados pelo fenômeno da globalização, que generaliza os padrões de linguagem em todos os rincões da terra.
Nesta dinâmica globalizada, a comunicação chegou a ser o símbolo mais representativo. Os jovens habitam um novo ambiente- cultural, digital que os leva a viver “always on” (sempre conectados). Para as novas gerações o presente assume um valor inestimável. O que conta é o hoje, aqui e agora.
Neste mesmo sentido, a missão evangelizadora fica debilitada, não podendo continuar com os modelos anteriores. Sentimo-nos desafiados pelos novos estilos de linguagem. É necessário arriscar-se nos novos horizontes e buscar novas maneiras no atuar missionário que reclama o mundo de hoje, sem se esquecer de que “a alegria do discípulo é o antídoto frente a uma realidade atemorizada pelo futuro e assustada pela violência e o ódio do presente. A alegria do discípulo não é um sentimento de bem-estar egoísta, ao contrario, é uma certeza que brota da Fé, que serena o coração e capacita para o anuncio da boa noticia do Amor de Deus”.(DA 32)
Nossa missão situa-se no limite, numa fronteira entre dois campos, no umbral entre o aqui e o além, do aqui e agora. O missionário nunca fala da presença de
Deus sem invocar sua ausência (cf. Lc. 12, 35 -38). O difícil nesta fronteira é que o alem da realidade conhecida nos assusta e cria medos; estes novos espaços são caminhos desconhecidos que nos ameaçam dando a impressão de que vamos fracassar. Muitas vezes, andamos perdidos no meio de uma linguagem estranha a nosso estilo convencional. Como o velho Abraão, andamos pelo deserto somente com a promessa de que algo pode nascer disto tudo.
Às vezes fico meditando a realidade deste lugar aonde viemos estabelecer uma casa missionária. Na periferia desta cidade, marcada pelo estigma violência, uma multidão atravessa nossos olhos: crianças correndo nas ruas, mães violentadas no próprio lar e não sei quantos jovens perdidos no caminho da droga; os sons das igrejas nestes ambientes ficam quase silenciados pelo barulho das musicas: cumbias, vallenatos, salsas, merengues. Desencontros de linguagem? Onde está o caminho do Evangelho?
Jesus foi uma pessoa nos limites ou nas margens das fronteiras culturais do seu tempo: foi um judeu marginal, situado à margem do império romano, à margem do povo de Israel, às margens do mundo leigo do seu povo, e morreu como marginal. (John P. Meyer)
O anúncio do Evangelho significou a chegada do novo tempo na sua pessoa, nas suas atividades e nas suas palavras. Sua vinda implicou em mudar antigas concepções religiosas e a emergência de uma nova visão de Deus e do mundo. “O tempo está cumprido e já chega o reino de Deus: convertei-vos e crede na boa noticia”. ( cf. Mc 1, 15)
A paixão pela Boa Noticia levou as primeiras comunidades, nos tempos de perseguição, a colocar toda a confiança no Senhor da história. Despertou a consciência critica ante o império governado por um sistema de morte, enfrentando a idolatria, mantendo-se os discípulos unidos ao reino da vida. ( cf. Ap. 2, 19-28).
A atualidade é um novo amanhecer que indica novos horizontes e exige de cada um uma espécie de mutação. O documento de Aparecida nos recorda que a Igreja é chamada a repensar e relançar com fidelidade e audácia sua missão nas novas circunstancias latino-americanas e mundiais. Não pode concordar com aqueles que veem somente confusão, perigos e ameaças. Somos chamados a confirmar, renovar e revitalizar a novidade do Evangelho em nossa historia desde um encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo e que suscite discípulos e missionários. Isso não dependerá de grandes programas e estruturas, mas de homens e mulheres que encarnem esta alegre tradição e novidade, como discípulos de Jesus Cristo e missionários do Reino, para anunciar a vida nova para a América Latina que quer reconhecer-se como a luz e a força do Espírito. (cf. DA 11)
“Neste momento em que nos encarnamos na realidade do mundo de hoje, não podemos perder o horizonte, a visão, pois sem olhar, a gente perece”. (Prov. 29, 18), e sua visão e centro estão em Jesus Cristo e no Reino de Deus.
A nova esperança e o ardor pelo evangelho também significam ver a realidade desde a ótica dos sofredores do mundo; colocando-se à margem das estruturas, desde a fragilidade e do não-poder. Também supõe uma opção decidida pelos marginalizados e excluídos, evangelizando-os e sendo evangelizados por eles, a partir desses lugares e destas experiências, evangelizar toda a humanidade.
Pe. Antonio Carlos de Meira, mSC é missionário no Equador.
Muitas vezes ouvimos dizer que a cruz de Cristo nos salva. Sem dúvida, é verdade, mas devemos entender bem a afirmação, pois um pedaço de madeira sobre o outro não pode salvar ninguém. Trata-se da cruz entendida como símbolo de toda a vida, morte e ressurreição do Senhor. O mesmo se deve dizer da expressão “o sangue de Jesus nos salva”. Sangue, na língua de Jesus, representa a vida. É o mesmo que dizer: a vida de Jesus nos salva.
Aquele que foi crucificado, morto e sepultado não foi outro senão o inocente e justo Filho de Deus que se colocou a serviço dos pobres e excluídos, anunciando-lhes o Reino de Deus. Sua vida de total despojamento era a transparência do amor gratuito e incondicional do Pai. Por amar, Ele abraça as contradições, os conflitos e as perseguições por causa de sua missão. Portanto, o que nos salva é o amor de Deus e não seu sofrimento.
A morte de Jesus na cruz é um sacrifício. Infelizmente, a palavra assumiu o significado de dor. Na realidade, sacrifício significa entrega, disponibilidade para o outro. A vida toda de Jesus é entrega nas mãos do Pai, entrega a favor dos irmãos e irmãs, disponibilidade para servir onde houver alguém sofrendo. Sem dúvidas, essa entrega e disponibilidade, num mundo violento e marcado pelo pecado, devem assumir as dificuldades e contradições da vida.
Somente Aquele que trilhou o nosso caminho, abraçou a dureza cotidiana da existência, riu e chorou, trabalhou e descansou, fez a experiência da exclusão, da injustiça e desceu ao mais baixo da humilhação, da tortura e da morte está apto a nos consolar. Ele verdadeiramente desceu ao mais fundo do poço da existência humana. Por isso, muitos que sofrem encontram um pouco de alívio e consolo diante de sua imagem como Cristo morto e crucificado.
Quando dizemos no Credo que Cristo foi morto e sepultado, desceu à mansão dos mortos, estamos nos referindo à sua morte de fato. Sofre e morre o “verdadeiramente homem e Deus” apaixonado pela humanidade, interessado pela nossa vida, comprometido com nossa felicidade e salvação. A morte é o destino de todo ser vivo. No entanto, a morte de Jesus é provocada. Sobre Ele é descarregada toda a violência e agressividade humana por aqueles que não aceitaram as mudanças, em suas vidas e na sociedade, propostas pelo Reino de Deus. Sua morte na cruz, abandonado por todos, trouxe-lhe a sensação de ter sido abandonado até mesmo pelo Pai. Cristo morre como um fracassado, rejeitado por todos com um grito histórico: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” (Mc 15,34)
Pe. Paulo Roberto Gomes, mSC é Teólogo e Pároco da Comunidade S.Paulo