A família religiosa dos Missionários do Sagrado Coração de Jesus, que há mais de 150 anos, publica as revistas ANAIS, que entre nós trazem o subtítulo de Revista de Nossa Senhora, RNS, sempre privilegiou as missões como uma de suas principais mediações.
Nosso Fundador, Padre Júlio Chevalier, convidado pelo Papa, através da antiga Propaganda Fidei, para assumir as missões na Nova Guiné, no Pacífico, em vão tentou convencer seus colegas que não concordavam, dado o pequeno número de membros na ocasião. Para conseguir seu intento, ficou famosa sua artimanha para convencer seus pares, arquitetada em parceria com o Cardeal Simeoni, em Roma, mas esta é outra história . . .
Na Igreja Pré-Vaticano II, quando ainda não se falava em reevangelizar as grandes metrópoles da Europa, hoje comunidades de pagãos batizados, as edições de ANAIS de quase todas as Províncias MSC, povoavam suas páginas com relatos sobre nossas missões no Pacífico, no antigo Congo Belga, nas Filipinas, na Indonésia.
Os Anais da Província de São Paulo, na década de 60, traziam relatos de nossos missionários brasileiros, na Indonésia, e ficaram famosos os textos saborosos e pitorescos do saudoso Padre Laureano Marques, intrépido missionário nas llhas Key. Nossos leitores já terão notado como, apesar de novos tempos e outros ventos, nossa revista ainda trata com carinho o trabalho de nossos missionários atuais, tanto em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, como no Equador.
Padre Reuberson, na força e entusiasmo de sua juventude, nos conta a cada edição da RNS, suas incursões singrando as águas do Rio Negro e seus afluentes. Padre Antônio Carlos Meira, missionário experiente e calejado, nos edifica com sua postura de autenticidade e entrega na evangelização daquelas áreas difíceis dos Andes. Tendo trabalhado vários anos nos rigores dos páramos, a 3 e 4 mil metros de altitude, aceita agora o convite para descer ao litoral quente e úmido daquele país a fim de evangelizar os pobres de Portoviejo.
Nós agradecemos a Deus pelo testemunho de dedicação e coragem desses nossos confrades que não deixam apagar-se a chama que um dia o Padre Chevalier e nossos maiores acenderam nos primórdios da Congregação. Deus seja louvado!
A REDAÇÃO.
Viver não é fácil, e a gente sabe muito bem disso. A existência humana traz em si essa mistura interessante de tragédia e comédia, que é o que acaba dando beleza a tudo, dando-nos a oportunidade de achar prazer em viver. Há tempo para tudo, tempo para gemer e tempo para bailar.
Há um momento para tudo e um tempo para todo propósito debaixo do céu. Tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar a planta. Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de destruir, e tempo de construir. Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de gemer, e tempo de bailar. Tempo de atirar pedras, e tempo de recolher pedras; tempo de abraçar, e tempo de se separar. Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de jogar fora. Tempo de rasgar, e tempo de costurar; tempo de calar, e tempo de falar. Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.” (Ecle 3, 1-8).
Talvez você já possa ter lido este trecho do Eclesiastes em outras ocasiões, sem deixar de concordar intimamente com suas palavras. De fato, há um tempo para tudo nesta nossa vida, e é esta sucessão de acontecimentos, de momentos duros e alegres, que nos vai construindo como pessoas.
Viver não é fácil, e a gente sabe muito bem disso. A existência humana traz em si essa mistura interessante de tragédia e comédia, que é o que acaba dando beleza a tudo, dando-nos a oportunidade de achar prazer em viver. Há tempo para tudo, tempo para gemer e tempo para bailar.
Foi precisamente esta vida que Maria viveu, e que Jesus assumiu. Vida que nos cobra sempre nos refazermos, sempre nos reinventarmos. Como num baile, em que sempre se tocam diferentes ritmos, temos que “dançar conforme a música”. Em Maria vemos um belo exemplo desta vivência: acompanhando sua história, narrada no Evangelho de Lucas, vemos sua trajetória do espanto da Anunciação, até a alegria jubilosa da Ressurreição, passando pela dor da Paixão. A sabedoria de viver está em assumir que haverá um tempo para tudo, momentos bons e ruins, e que não se pode ficar preso a nenhum deles… Quanto mais apego, mais sofrimento. Se Maria tivesse ficado para sempre ao pé da Cruz, a lamentar-se pela morte de Jesus, certamente não teria visto a bela manhã de Ressurreição… Há que se viver com intensidade cada momento, mas sabendo que tudo passa, alegria e sofrimento, e que isso nos torna mais fortes e sábios se soubermos fazer o esforço de ler nesses fatos a mão de Deus conduzindo nossa história.
Pra que apegar-se a velhas mágoas? A viver de glórias do passado?… Dizem que os antigos monges do deserto, ao encontrarem-se pelos caminhos, cumprimentavam-se dizendo “Memento mori” (“Lembre-se da morte”), ao que se lhe respondia “Carpe diem!” (“Aproveite o dia!”). A vida é muito curta para nos debruçarmos sobre nós mesmos em auto-piedade ou para ficarmos alimentando antigas angústias. Com Maria aprendemos a difícil arte do perdão. É preciso lançar-se ao aprendizado do perdão. Aprender a perdoar a vida, perdoar a si mesmo, perdoar o outro… O perdão é que nos abre os olhos para ver a vida como um todo, não como um momento: ele nos ensina a compreender que tudo passa e que se entregar sem lutar é um disparate.
É provável que você se lembre de antigas mágoas. Vamos ser sinceros: todos as temos! Seja pelas nossas condições na infância, mágoas contra alguém ou até mesmo contra nós mesmos. Mágoas, todos temos, mas é preciso redenção. Jesus, ao ser interrogado por Pedro a respeito de quantas vezes deveria perdoar, afirma que “setenta vezes sete” deveriam ser as ocasiões de perdão (Cf. Mt 18, 21-22). Setenta vezes sete… Mas não em sete segundos! É claro que perdoar exige um processo, um tempo. Uma ferida aberta não se cicatriza do dia para a noite, é preciso ser paciente, afinal, há um momento para tudo neste mundo…
O mais importante nesta escola de perdão, em que Maria nos ensina, é o desejo de perdoar. Mas se a dor for grande e a mágoa também, que tenhamos ao menos o desejo de desejar o perdão. Se não conseguimos perdoar na hora, que estejamos dispostos a fazer o processo, com ajuda de Deus, para podermos compreender a maravilha da vida que sempre traz um dia após o outro pra nos fazermos sempre novos. Dias bons e dias não tão bons surgirão nas nossas vidas, até o dia em que precisarmos deixar esta existência. Há tempo de nascer e tempo de morrer. Não pedimos o nascimento, nem sabemos quando partiremos, mas o que será do intervalo entre o nascer e morrer, aí depende muito de nós. Que Maria, companheira, mãe e mestra em nossa caminhada, nos ajude a ver, nos tropeços da vida, degraus para irmos sempre mais alto. Amém.
Fr. Fernando Clemente, MSC é seminarista religioso e cursa o 2º ano de teologia
INTRODUÇÃO
Somos missionários/as. Essa condição que nos foi dada no batismo, nos leva ao compromisso com o Reino de Deus. Por isso, aqui queremos recordar que, apesar da tentação de um estilo de vida cristã descomprometida dos nossos tempos, necessitamos voltar nossos olhos a Jesus e à Vontade do seu Pai. A Trindade tem presença na vida das comunidades com quem lutamos e partilhamos nossas esperanças e fracassos. É ali que encontramos a sua força para caminhar.
O NOVO QUE DESAFIA
A teologia cristã diz que, por nossa condição de batizados, todos/as somos missionários/as do Reino de Deus. Mas essa vida missionária não é fácil quando assumida desde a perspectiva do novo em situações onde imperam a desorganização social, a pobreza ou injustiça. No mundo de hoje, muitas vezes, nos encanta a novidade. Mas ela não convoca ao compromisso, é passageira. O novo, por outro lado, assusta e desafia. Enfrentar o novo é vivê-lo quase na intempérie. É o caminho da aventura, do arriscar-se na linha de fronteira onde não se vê o que está pela frente. Caminhar com o novo é entrar pela via do arriscado.
A missão também tem o caráter de novo na vida pessoal, onde o chamado de Deus toca as limitações da vida, como na vocação de Moisés, Elias, Jeremias. A missão passa pela experiência da entrega e da confiança. Na realidade, é Deus quem constrói a sua missão no mundo, passando pela vida dos discípulos/as. A missão de Deus acontece na vida da comunidade (dos discípulos/as) que realiza a vontade do “Pai”. Cada um faz o esforço pessoal na oração e na comunhão fraterna para viver este acontecimento.
A experiência missionária vai ensinando que é necessário entrar na lógica de Deus. Um caminho de atenção para saber qual é a sua vontade neste momento, e o que se espera da comunidade em concreto. Sempre vai ser uma tensão da comunidade de fé. Somos peregrinos que buscamos a Deus, passando por encontros e desencontros, onde, às vezes, somos fiéis e outras, infiéis.
OS CAMINHOS DA FÉ
Uma missão a gente nunca inicia e nunca termina. Nunca fomos os primeiros e nem seremos os últimos. Estamos de passagem. Ao chegar, sempre encontramos as primeiras trilhas estabelecidas por aqueles que já fizeram o seu caminho. Esses trabalhos nem sempre são visíveis porque os caminhos de fé nem sempre são edificações concretas. São organizações feitas e desfeitas no passado e que estão presentes na memória dos que viveram ou que escutaram essas historias vividas. Elas serão o alicerce para o caminho seguir adiante. A visibilidade somente acontece quando expressada, por isso é necessário que essas histórias sejam contadas e escutadas.
Assumir a responsabilidade com essas historias nem sempre traz segurança para o iniciante, que nem sempre acredita que houve alguma coisa antes dele. No entanto, é o caminho por onde Deus passa e deixa marca com e no meio do povo. Como missionários, somos buscadores destes caminhos. Deus constrói sua historia e se queremos segui-lo, necessitamos encontrar as sementes semeadas. Os pequenos brotos de plantas ficam no meio da comunidade quando esta ficou debilitada. Eles voltam a crescer ao ser retomados e reorganizados.
Como seres humanos, sonhamos com grandes projetos, como construir missão, formar comunidades para que as pessoas melhorem de vida, pensar na própria na vida, desenvolver as capacidades de percepção para ver melhor a realidade. No entanto, esses caminhos necessitam da sintonia de vários elementos ao mesmo tempo para que possam se desenvolver, e da vivência cotidiana com atenção: o ideal, o objetivo com que assumimos nossa tarefa, o amor primeiro, a realidade, cumprir a vontade de Deus e outros.
A opção que assumimos ou o amor primeiro é um elemento que deve estar presente nas decisões diárias porque a realidade sempre é muito complexa e as coisas podem fugir de nosso controle. As contínuas transformações podem nos desorientar e desviar-nos do caminho assumido. Muitas vezes, no deserto, as tentações aparecem como meios fáceis de encurtar caminhos e chegar depressa. É necessário permanecer em sintonia com a missão de Deus nessa jornada. A escuta permanente a Deus e à realidade se complementam nessa dinâmica de vida. A vida se faz oração.
Saber o que Deus quer. Fazer a vontade de Deus é realizar aqui o Reino de fraternidade. Jesus mostrou a seu povo como fazer vontade de Deus, falando em parábolas. Falou de sementes, de luzes, de fermentos, do filho pródigo, da semente de mostarda… Sempre falou de coisas pequenas e de atitudes significativas. Portanto, estar em missão é assumir uma posição de encontro, de escuta ao pé da porta onde Deus fala ao coração das pessoas; de caminho com quem já caminhou em comunidade, guardando historias na memória. As palavras já vividas, contadas, devem ser transformadas em historias comunitárias (eclesiais) pela ação dos discípulos/as. A memória empurra o presente para concretizar o novo, levando ao encontro de Deus vivo. O seguimento e a missão são o compromisso de recordar, fazer a vontade da Santíssima Trindade na vida fraterna com a qual nos comprometemos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma das características bíblicas que garantem a fidelidade é a garantia da memória. Não esquecer o caminho iniciado. O protagonismo, próprio da sociedade atual, leva qualquer pessoa, bem intencionado ou não, a perder o principio ou o objetivo da vida cristã. Assume-se o pragmatismo como natural; seguir em frente sem nenhuma avaliação critica do caminho feito.
A fidelidade exige olhares em varias direções: olhar sempre para trás, para rever a memória, a vida vivida; olhar para frente, para ter presente o objetivo do trabalho pastoral ou missionário; olhar para os lados, para levar em conta os que acompanham, os companheiros (os que comem o pão juntos); olhar para cima ou para o horizonte com a certeza de que somos mais que seres que se acabam nesta terra. A missão não significa somente uma coleção de palavras bem elaboradas, mas um projeto de vida. Ela é um caminho de comer pães juntos (companheiros/as).
Por isso, fazer a vontade de Deus é um caminho onde se vão tecendo muitos fios para se fazer o grande tecido, que é a missão, que deve confundir-se com a própria vida. Um desenrolar lento que no ritmo do caminhar, escutando as historias e buscando elementos que permitem construir a mesa fraterna, para comer pães juntos (companheiros). Avançamos e retrocedemos em busca do futuro insistentemente. A fé exige sempre estar olhando para frente com esperança, apesar da desesperança.
Pe. Antonio Carlos Meira, MSC é missionário no Equador.