Eu vejo do céu aberto brotar a vida.
Eu vejo a esperança e a salvação dissipar a noite.
Eu vejo a Justiça e a paz caminharem de mãos dadas.
Eu vejo a terra feliz em Deus, apoiada em Deus.
(Manual de Orações MSC)
A Porta Santa do Jubileu da Misericórdia aberta pelo Papa Francisco, na Basílica de São Pedro, representa simbolicamente a peregrinação de fiéis ao Coração de Cristo, onde buscam e encontram a vida e a salvação. A Porta da Misericórdia abre-se aos pecadores que renunciam a tudo o que seja mal, a mentira, a inveja, o ódio, a vingança, a violência, o rancor, enfim, o que gera sofrimento para si e para o próximo. A Porta abre-se aos que abraçam a conversão a Cristo e aos valores do Evangelho. A Porta abre-se aos gestos de amor e disponibilidade, para servir aos semelhantes, especialmente aos mais necessitados.
Há vários gestos referindo-se às obras de misericórdia espirituais e corporais, tais como: visitar e cuidar dos enfermos (Mt 8,14); Ensinar a quem não sabe (Mt 5, 38-48); Dar de comer a quem tem fome e dar de beber a quem tem sede (Mt 25, 35.37.42-44); Dar bons conselhos a quem necessita (Mt. 13, 1-13); Corrigir os que erram (Jo. 8, 1-11); Dar pousada aos necessitados (Lc. 2, 1-7); Perdoar as ofensas (Mt. 18, 21-22); Vestir os despidos (Mt. 25, 34.36.43); Consolar os tristes e aflitos (Mt. 11, 28-29); Socorrer quem está preso (Lc 16, 16-21); Suportar com paciência os defeitos dos outros (Lc 5, 1-11); Orar pelos vivos e mortos, sepultar os defuntos (Jo. 11, 1-45). Trata-se de gestos praticados no dia a dia de nossos relacionamentos.
Passar pelas Portas da Misericórdia significa buscar a indulgência, o perdão, a restauração da própria vida e da vida de pessoas destruídas por dentro. Trata-se da conversão, do compromisso de transformação cristã. Há atitudes destrutivas que manipulam as pessoas como objetos de uso e abuso, como traição, calúnia, difamação, preconceito, agressão, exploração. A verdade liberta e se ela for lesada, deve ser restaurada. O perdão corresponde à reconstrução de vidas destruídas. Para recuperar a confiança perdida, passa-se por dentro do arrependimento, da restituição do prejuízo e da honra, do comportamento sincero que demonstra a emenda de vida.
A Porta da Misericórdia do Coração de Cristo abre-se a quem aceita superar as provações. Elas são amargas, mas nos purificam e nos preparam à iluminação interior no itinerário do longo aprendizado evolutivo. De fato, o nosso aprendizado é feito de purificação e de iluminação, remetendo-nos ao serviço do próximo. Para sair do egoísmo e aprender a servir com amor e desapego, é preciso ir ao encontro dos outros. Perdoar é resgatar a dignidade do amor e de respeito, quando ferido ou perdido. Essa atitude é permanente, não se limitando a algum período. O Jubileu da Misericórdia é excelente ocasião para nos renovar na fé e no compromisso cristão.
Ocorreu pelo ano 64, por ocasião da perseguição de Nero aos cristãos de Roma. Neste mesmo ano houve o incêndio na cidade. Os cristãos são acusados por Nero, de serem os responsáveis, quando foi ele mesmo. Entre os anos 66 a 70 houve a revolta dos judeus contra a dominação romana, muitos foram mortos. No ano 70, Tito conquistou Jerusalém e destruiu a cidade e o Templo. Entre os anos 70 e 100 foram escritos os Evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João. No ano 96, o papa Clemente, 3º sucessor de Pedro, escreveu uma Carta à Comunidade de Coríntios, fazendo referência ao martírio de Pedro e Paulo em Roma.
O testemunho dos mártires no 2º século
Pelo ano 110, o bispo Inácio de Antioquia é levado a Roma, a fim de ser lançado às feras, para a diversão do Imperador e do povo. Neste período, surge também um Documento chamado a “Didaqué”, que significa Instrução ou Doutrina, de autor desconhecido. É o primeiro Catecismo cristão. Contêm instruções precisas sobre o batismo, a oração, o jejum e a eucaristia. Mostra que o cristianismo não é devoção fechada, mas um caminho de vivência comunitária. A leitura deste texto faz logo sentir que as comunidades cristãs daquele tempo ainda não estavam completamente estruturadas. Uma frase diz assim: – “Toda criatura humana passará pela prova de fogo” (16,5). O nome Inácio deriva de “Ignis” e significa “fogo”. Gostava de ser chamado de “coração ardente”. As suas palavras inflamadas de amor a Cristo e à Igreja ficaram gravadas no coração de todas as gerações futuras: “Eu sou o trigo de Deus. Tenho de ser triturado pelos dentes das feras, para tornar-me um pão puro de Cristo”.
As três colunas da Igreja deste 2º século
Justino descobriu o cristianismo quando tinha 30 anos. O itinerário de sua conversão a Cristo passa pela filosofia. Insatisfeito com as respostas filosóficas retirou-se para um lugar deserto, à beira mar para meditar. Lá encontrou um velho sábio a quem Justino abriu seu coração. Este lhe diz: – “Nenhuma filosofia pode satisfazer o coração humano. A razão sozinha é incapaz de garantir a verdade plena, sem o auxílio divino”. Ele Foi martirizado em Roma, junto com seis companheiros, entre os quais, uma mulher. Policarpo, que era bispo de Esmirna, foi queimado vivo aos 86 anos de idade, no ano 156. Na sua juventude tinha conhecido o apóstolo João. Em 197, Tertuliano, advogado de Cartago, depois de sua conversão, escreve uma tese defendendo o cristianismo. Tal Obra é destinada aos governadores do Império. Sua frase continua viva e ecoando no mundo inteiro até os dias de hoje: – “O sangue dos mártires é semente de novos cristãos”.
A perseguição aos cristãos continua no 3º século
Tortura e martírio fazem aumentar ainda mais o número dos cristãos e a irradiação do Evangelho no mundo. Ser cristão era um risco de vida. A qualquer momento a pessoa poderia terminar num circo, enfrentando as feras e divertindo o Imperador e o povo. No ano 203 aconteceu em Cartago, no norte da África, o martírio de Perpétua, uma senhora da nobreza e Felicidade, sua escrava. É de Perpétua esta frase que mostra a grande fé desta jovem de 22 anos apenas: “Agora sou eu que estou sofrendo, mas no momento do martírio, será Cristo que sofrerá por mim”.
Orígenes (185-253) é o animador da escola catequética de Alexandria. Sua obra literária, em torno de dois mil livros ele será o mais importante dos Padres gregos da Igreja. Cornélio e Cipriano são martirizados entre os anos 253 e 258. É de Cipriano a frase: – “Ninguém pode ter Deus por Pai se não tiver a Igreja por mãe”. Cornélio foi eleito o 21º papa de Roma em 251 e morreu exilado em 253. Cipriano tornou-se bispo de Cartago, na África.
A palavra misericórdia nos faz lembrar o Deus-Amor. Foi ele que nos resgatou do pecado e abriu o céu para nós. Inclinando-se sobre a miséria da humanidade ferida pelo pecado, Ele nos salvou por seu Filho. Misericórdia é isso. Amor que vem das entranhas de Deus, como diz o apóstolo amado: “Ele nos amou com um amor sem limites, “amou-nos por primeiro” (1Jo 4,16).
Gosto muito de ler a reflexão de Dom Geraldo Majella Agnelo, na contra capa da Liturgia Diária. Neste mês de Janeiro de 2016, ele escreve sobre “Deus da Divina Misericórdia”. “Quanto devemos falar da misericórdia de Deus! Ele é incansável, está sempre à espera daquele que volta à sua origem de filho de Deus”.
No último capítulo de seu livro “A Misericórdia”, Cardeal Walter Kasper, escreve sobre Maria: “A Escritura e os padres da Igreja colocam perante os nossos olhos relativamente a Maria uma imagem concreta e mais: uma imagem que é como um espelho da misericórdia divina e um arquétipo da misericórdia humana e cristã”. Lembrando a piedade popular, é fácil entender porque o povo recorre à Mãe de Deus com tanto amor. É uma maneira de buscar, junto à Mãe, a misericórdia do Coração de Deus. Maria faz parte da história de amor de Deus com os seres humanos. São Lucas nos deixa perceber como Maria resume no Magnificat toda a história da salvação, descrevendo-a como uma história da compaixão divina.”A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem(Lc1,50).
Escolhida para participar na grande obra da redenção, ela “achou graça diante de Deus”(cf Lc1,30). Maria não é mais do que a” serva do Senhor”. Ela mesma o disse. A glória não pertence a ela, mas somente a Deus, para quem nada é impossível (cf Lc 1,37). Foi um humilde instrumento da compaixão divina. Para nós católicos, a Mãe de Jesus não é só tipo e modelo, mas misericordiosa intercessora. Por esse motivo a Igreja acrescentou, a partir do século XV, na oração da Ave Maria, a súplica “Rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte”.
Resta-nos pedir a interseção de Maria, sabendo que ela tem franca entrada no Coração de Jesus. Se moldarmos o nosso coração de acordo com o Seu coração deixando-nos guiar pela mãe da Misericórdia, chegaremos à prática desta virtude em nossas palavras e obras.
Que Maria, Nossa Senhora do Sagrado Coração, a peregrina da fé, a mulher do povo, nos ajude a suportar e a atravessar os obstáculos e desafios e a nos manter de pé. Que Maria nos dê coragem para nos comprometer com os pobres e necessitados. Que sejamos misericordiosos, como o Pai é misericordioso.