Em algumas culturas e tribos a celebração dos mortos pode até nos chocar. Há tribos que cultuam os mortos por dias seguidos, outras lamentam incansavelmente a partida de alguém, e outras ainda, dançam, brincam e vão, dias depois, festejar ao lado da lápide com comidas e bebidas. O que para alguns é estranho, para outros é a essência da vida, a continuidade da memória.
Neste mês em especial, celebramos Finados, expressão da piedade popular, ocasião em que as pessoas vão até os túmulos de seus entes queridos para rezar e fazer memória. Não é fácil porque nós, latino-americanos, somos emocionais, viscerais mesmo quando se trata da perda de alguém.
Tratando desse tema, a revista de Nossa Senhora conversou com o Pe. Valmir Teixeira, Missionário do Sagrado Coração, Reitor do Santuário das Almas, em São Paulo, uma igreja muito procurada todas as segundas-feiras e em especial por ocasião do dia 02 de novembro, celebração de Finados.
A Redação
Dada a partida, começamos a singrar o volumoso, misterioso e turvo Flumen Nigrum. Serão quinze dias visitando as comunidades. A lógica inicial é simples. Chega-se à aldeia, avisa-se o dia em que haverá missa e parte-se para outra.
Texto: Pe. Reuberson Ferreira, mSC
Precisamente às sete da manhã ronca estrondosamente, interrompendo a divina orquestra das corredeiras do rio, o motor de um pequeno barco chamado “voadeira”. Às margens do majestoso Rio Negro, já estão embarcadas algumas malas, cerca de duzentos litros de gasolina e um motorista (Prático). Faltam somente o Padre e o noviço devidamente equipados e com muita ansiedade, curiosidade, expectativa e , por que não, algum medo. Trata-se, pois, do início de uma itinerância, isto é, a visita que é feita a inúmeras comunidades ribeirinhas que fazem parte da paróquia onde os Missionários do Sagrado Coração atuam no alto Rio Negro, no coração da Amazônia.
Dada a partida, começamos a singrar o volumoso, misterioso e turvo Flumen Nigrum. Serão quinze dias visitando as comunidades. A lógica inicial é simples. Chega-se à aldeia, avisa-se o dia em que haverá missa e parte-se para outra. De aldeia em aldeia, uma após outra, ao final do dia chega-se à última comunidade a ser avisada e visitada, onde passaremos a noite e o dia seguinte, até que partamos para a próxima comunidade. Trata-se, pois, de Cué-cué. Um lugar simples, que leva esse nome devido à mitologia indígena que diz que nessa parte do rio há uma pedra, semelhante a um sapo, que emite um som igual ao que dá nome à comunidade: Cué-Cué.
Ao desembarcamos nesse povoado, somos logo acolhidos por algumas crianças indígenas da etnia Baré. Elas tomam conta de nós e ajudam a carregar nossas malas. Caminhamos por uma pequena trilha às margens do rio e avistamos todas as casas – sete, no máximo. São precisamente quatro horas da tarde. Não enxergamos viv’alma. Conduzidos pelos pequeninos Barés, que ora falam português, ora falam sua língua nativa (Nhengatu), fomos levados à casa do Catequista, autoridade religiosa local. A mulher dele nos recebe muito bem e logo nos leva ao barracão comunitário, onde ataremos nossas redes e dormiremos à noite.
O sol declina, a noite aproxima-se, e os membros da comunidade regressam de suas roças. Não demora muito e o catequista aparece no barraco onde estamos alojados e oferece-nos um lauto jantar. No cardápio, xibé, quinhapira (peixe apimentado) e café. Bendizemos a Deus pelo pão que nos oferecia, pois acreditávamos que naquela noite dormiríamos com fome mesmo.
Na manhã seguinte, cedo, levantamos-nos. Trata-se de um dia especial para a comunidade. Visita dos padres implica em mudança de rotina, dia de oração e festa. Nada de roça! Todos com a sua melhor roupa, após o desjejum, ajuntam-se na capela. Homens, mulheres e crianças todos estão lá. Alguns chegam cedo, pedem o sacramento da penitência. Confessam-se com uma piedade invejável. Na simplicidade de cada um, percebe-se que são mais sofredores que pecadores.
Cantos ensaiados, confissões atendidas, começamos a celebração. O olhar atento e o silêncio monástico, revelam o amor que as pessoas têm à Eucaristia, a Cristo, à Igreja e a Deus. Uma fé sincera e inocente, mas, ao mesmo tempo, resistente às intempéries da vida e à parca assistência religiosa a eles dispensada pela Igreja.
Ao fim da missa, as mulheres saem em disparada e recolhem-se nas suas casas. Os homens ficam na Maloca comunitária, conversando com o Padre, sobre a fé, sobre a vida, sobre as dores, sobre as alegrias…..sobre a política. Quanto menos se espera, as apressadas mulheres, vão se aproximando-se da Maloca comum, com uma bacia na cabeça, onde trazem beiju, xibé, mugeca, japurá, arroz, farinha, peixe cozido (apimentado, quinhapira) e outras iguarias. Num verdadeiro ágape fraterno, numa celebração que se faz comunhão, partilhamos o pão, fruto do suor e do trabalho de homens e mulheres, calejados pela lida na roça, pelo manejo do facão, da enxada e do remo da canoa.
Após a partilha do pão, recolhemos nossas coisas, saudamos afetuosamente o povo e nos pomos, novamente, em nossa nau, a singrar o caudaloso Rio Negro, rumo a uma nova comunidade que já nos aguarda ansiosamente.
Pe. Reuberson Ferreira, mSC , trabalha no Alto Rio Negro, Diocese de S. Gabriel da Cachoeira(AM).
Se Jesus me aparecesse, talvez eu lhe pedisse um tempo para pensar. Mas imagino que ele saberia explicar por que fez isso com um pecador!
Texto: Pe. Zezinho, SCJ
Se Jesus voltasse do céu antes da parusia e me aparecesse em caráter particular, eu acho que teria mais medo do que os três apóstolos que, mesmo convivendo com ele, esconderam o rosto diante do seu brilho. ( Mt 17,2 ).
Ele sabe das minhas incertezas e do quanto não me sinto digno disso. Por isso, como aos discípulos de Emaús, (Lc 24,13) que, certamente, eram melhores do que eu e, como a Tomé ( Jo 20,27 ), que o amava mais do que eu o amo, ele teria que me provar ser ele e não uma ilusão minha. Eu apostaria na ilusão da minha parte, porque milhares se iludiram. Duvidaria, como os discípulos duvidaram do que viam.
Mas se, de fato, Jesus me quisesse dizer alguma coisa e me aparecesse eu pediria licença para consultar meus superiores. Oriento-me melhor pela sabedoria deles. Já vi o que acontece com videntes que não se deixam orientar por ninguém e com iluminados que consultam os outros, mas depois fazem exatamente o que querem.
Se Jesus me aparecesse, talvez eu lhe pedisse um tempo para pensar. Mas imagino que ele saberia explicar por que fez isso com um pecador! Os que dizem que Jesus lhes apareceu têm uma enorme responsabilidade pela frente. Imagino que saibam o que estão dizendo! Se for verdade, Deus seja louvado por mais este vidente! Se não for, Deus o perdoe por usar Jesus e seu santo nome!
Como Jesus nunca me apareceu até agora, nem nunca falou comigo, eu vivo da catequese, da teologia e da ascese que aprendi. Aceito as conclusões da Igreja na qual fui batizado, dos teólogos e estudiosos da fé que certamente sabem mais do que eu. Sou um dos 99,99% de cristãos que nunca viram nem receberam visita ou aviso de ninguém do céu. Vivo de crer sem ver! Sobre isto Jesus afirma que é um bom caminho!(Jo 20,29).
Pe. Zezinho, scj é músico e escritor. Tem aproximadamente 80 livros publicados e bem mais de 115 álbuns musicais.