Revista de Nossa Senhora
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Edição Novembro de 2013

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Para Meditar….

white and red tulips against white backgroundEm tudo há beleza.
É como vejo a vida.
Um transbordamento da beleza divina, que se prolongará na eternidade, que, de certo modo, começa aqui e agora.
É o que professamos todos os domingos quando dizemos que cremos “…na vida eterna. Amém”. 

Mas e quando o céu fica toldado de nuvens negras?
Quando a dor de uma mãe que perde seu filho
desfigura o belo quadro da existência?
E quando centenas de jovens perdem sua vida
de maneira trágica por aí?

Para onde vai a beleza da vida?
Para o sofrimento não há palavras.
Só silêncio.
Ali, onde existe dor é terra santa,
deve-se pisar com cuidado e em silêncio de prece.

Mas acredito que mesmo aí a beleza da vida não se esconde. Em cada pessoa que se compadece, que se solidariza, que, numa única e maravilhosa palavra, sabe ter MISERICÓRDIA, aí vejo a beleza da vida explodir novamente. Lição pascal, a ser retomada todos os dias… Deus deu-nos um coração: coisa boa demais. Aliás, tão boa, mas tão boa, que Ele mesmo quis ter um… Que a gente saiba usá-lo para continuar a levar esta vida com beleza. 

Fr. Fernando Clemente, MSC

Morte iluminada

Em sua encíclica “Lumen Fidei”, o Papa Francisco, no número 56, diz o seguinte: “Contemplando a união de Cristo com o Pai, mesmo no momento de maior sofrimento na cruz (cf. Mc 15,34), o cristão aprende a participar do olhar próprio de Jesus; até a morte fica iluminada, podendo ser vivida como a última chamada da fé, o último “Sai da tua terra” (cf. Gn12,1), o último “Vem!” pronunciado pelo Pai…”

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A morte iluminada pela fé

Comecei a meditar sobre a morte como encontro, como mergulho profundo no amor, como uma porta que se abre para a felicidade sem fim. Pensando assim, somos capazes de ver essa realidade sob um prisma mais alegre e consolador. Pensei: Uma morte iluminada pela fé, passagem desta para a vida eterna, certamente nos levará à Luz sem ocaso, ao próprio Deus. Esta verdade nos traz uma paz profunda e uma certeza de que não há estado de espírito de maior felicidade do que nos sentirmos totalmente acolhidos nos braços de Deus.

Santa Maria, Rogai por nós

Convido você, para voltar o olhar e coração, com muito carinho, para a pessoa de Maria, na glória do céu. Quando rezamos a Ave Maria, dizemos: “Rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte”, pedindo a Maria que interceda por nós. Reconhecemo-nos pobres pecadores. Por esse motivo nos dirigimos à “Mãe de Misericórdia”, à Toda Santa. Entregamo-nos a ela “agora”, no hoje de nossas vidas. E nossa confiança aumenta para, desde já, entregar em suas mãos “a hora de nossa morte”. Que ela esteja então presente como na morte de seu Filho na Cruz, e que, na hora de nossa passagem, ela nos acolha como nossa mãe para nos conduzir a seu Filho Jesus no Paraíso.” (Cf.Cat. Católico-2677)

Nosso fim último é Deus

Faz parte da condição do ser humano dizer adeus a esta vida terrena. Perante a morte somos todos iguais porque Deus é o Senhor da Vida e pode nos chamar a qualquer momento. Cabe a cada um, cada uma, estar sempre preparado(a). É por graça e bênção do Pai que vivemos. Se formos pessoas de fé viva, a páscoa definitiva desta para a vida eterna, será um momento de entrega nos braços do Pai misericordioso. E as palavras de Jesus então ressoarão: “Vinde benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo.” (Cf. Mt 25,34)

Se a morte é a visão de Deus face a face, por que há pessoas com tanto medo de morrer? Jesus disse tantas vezes aos discípulos: “Não tenham medo”!. E isso vale para todo cristão. A morte é um momento sagrado, de entrega e de oferta da vida. Jesus nos diz que Deus ”não é um Deus de mortos, mas, de vivos” (Mc 12,27). Essa vida nova já nos foi assegurada por Jesus com a sua ressurreição. Não devemos temer porque, se escolhermos a vida enquanto estamos na terra, continuaremos a viver na eternidade.

Na oração da Missa do domingo da Páscoa rezamos: “Ó Deus, por vosso Filho Unigênito, vencedor da morte, abristes hoje para nós as portas da eternidade. Concedei que, celebrando a ressurreição do Senhor, renovados pelo vosso Espírito, ressuscitemos na luz da vida nova”. É o que recebemos pela ressurreição de Jesus. Ele passou pela morte, porém, dela saiu “vencedor” porque ressuscitou verdadeiramente. “

Somos povo de esperança. Esperança em Cristo, como nos escreveu o apóstolo Paulo: “Sei em quem pus minha fé” (2Tim 1,12). Foi Cristo, verdadeiro homem e verdadeiro Deus, que, com palavras e ações e com sua morte e ressurreição, inaugurou no meio de nós o Reino de vida do Pai, que alcançará sua plenitude lá onde não haverá mais nem morte, nem luto, nem pranto, nem dor, porque tudo o que é antigo terá desaparecido” (Ap 21, 4). (DA 143)

Há muitas moradas na casa do Pai

É difícil imaginar como é o céu, mas é consolador pensar que temos uma morada preparada pelo próprio Cristo. À pergunta de Pedro: “Senhor, para onde vais? Jesus respondeu: Para onde vou não podes seguir-me agora, mas seguir-me-ás mais tarde.” (Jo 13,36). “Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus; crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Não fora assim, eu vô-lo teria dito. Vou preparar-vos um lugar. Voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que, onde eu estou, também vós estejais. (Jo 14, 1-3) “Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou (Is 64,4) tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam” ( 1Cor 2,9)

A Igreja – “Comunhão dos Santos”

“Cremos na comunhão de todos os fiéis de Cristo, dos que são peregrinos na terra, que somos nós, dos defuntos que estão terminando sua purificação no purgatório, dos bem-aventurados do céu, formando todos juntos uma só Igreja, Corpo Místico de Cristo. E pela fé cremos que, nesta comunhão, o amor misericordioso de Deus e dos seus santos está sempre à escuta das nossas orações.” (Cat. Católico 962)

Maria no céu

Maria é sinal de esperança para o povo de Deus peregrino. Enquanto caminhamos, a Mãe de Jesus, tal como está nos céus já glorificada de corpo e alma, é a imagem e o começo da Igreja como deverá ser consumada no tempo futuro. No versículo do Magnificat, “todas as gerações me chamarão bem-aventurada”, Maria, com toda sua humildade, reconhece que o Poderoso fez nela grandes coisas. Desde os tempos remotos a Bem-aventurada Virgem é venerada sob o título de Mãe de Deus, sob cuja proteção os fiéis se refugiam suplicantes em todos os perigos e necessidades. (Cap. 8 – LG)

Então, caros leitores da Revista de Nossa Senhora, alegrem-se com esta consoladora verdade e continuem a aprofundar esta beleza de nossa religião. Quando escolhi o título deste artigo, estava lendo os pronunciamentos do Papa Francisco. Desde o início da Jornada até o seu final ele não se cansava de nos incentivar a viver nossa fé com novo entusiasmo, porque, dizia ele, “a fé deve iluminar a vida, os atos, a opção de seguir a Cristo.” Então, se a fé ilumina a vida, ilumina também a morte, como vimos acima.

Oxalá tenhamos o privilégio de ter Maria junto de nós no momento da nossa morte. Com certeza, será uma morte iluminada.

Ir. Maria da Luz Cordeiro, FDNSC

Sobre a esperança depois da morte

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Particularmente não sou daqueles que se sentem confortáveis e lidam tranquilamente com a morte se é que existe alguém que o consiga. Nada a ver com falta de fé. Mas realmente não consigo vislumbrar a morte como algo sereno. Quem consegue, talvez não tenha passado pela experiência da perda de alguém muito amado. Por isso não sabe que esse caminho é dos piores a ser percorrido. A sociedade de hoje, inclusive, faz questão de mascarar a morte. Os ritos funerários estão cada vez mais frios, distantes, tentando evitar a dor inevitável. Em tempos passados, quando alguém adoecia de modo terminal, a família estava próxima do enfermo. Até as crianças participavam desse momento. Hoje, com todo aparato hospitalar, dificilmente alguém acompanha os últimos momentos de um moribundo. Depois disso, o próprio funeral se torna distante, frio, protocolar.

Mas o fato é que a morte faz parte da vida. É talvez a mais concreta e dolorosa das certezas. Nessa situação é que entra a fé numa vida que vem depois. Todas as religiões tratam desse tema. Todas apresentam a sua versão da vida após a morte. Cada qual baseada em experiências sobrenaturais, ou seja, nada que se fale sobre a vida além-morte pode ser medido pelos critérios científicos atuais. Nesse ponto surge uma legião de não-crentes que também expõem a sua certeza, de que na falta de evidência científica, conclui-se pela negação da vida após a morte.

Como cristãos, acreditamos, sim, numa vida que vai além dessa. Isso porquês nossa fé está baseada na vida e nos ensinamentos de Jesus. Ele nos garantiu com palavras e com a sua própria ressurreição que vamos sobreviver à finitude do corpo, como ele próprio sobreviveu. Mais ainda: Jesus nos garante uma vida em abundância, em plenitude. A ressurreição é uma libertação de tudo que nos oprime, física e espiritualmente. Isto porque o nosso Deus é misericórdia e perdão. Por isso mesmo, a despeito do sofrimento que nos vem da morte, a esperança nos mantém de pé e deve se fundamentar em algo que vai além da nossa imaginação. O que nos espera está acima de qualquer projeção. No entanto, é comum nos perdermos em fantasias. Muitas pessoas gastam boa parte de seu precioso tempo de vida tentando imaginar como será o além. Geralmente são imaginações sobre o céu, o inferno o purgatório, cujos detalhes vislumbrados não raro chegam à beira do ridículo.

É muito interessante o fato de o nosso Deus sempre estar voltado para as situações que fazem parte do cotidiano humano, enquanto as pessoas se voltam tão somente para as coisas sobrenaturais. Quem tem uma esperança bem fundada, não precisa de justificativas, nem de ideais mirabolantes. A Palavra de Deus, sobretudo aquela revelada por Jesus, é suficiente. Isso vale, sobretudo, na hora de lidar com a morte. Ela está no nosso cotidiano, mas para nós que cremos, a última palavra nesse assunto é de Deus, cujo Filho venceu a morte para que ninguém se aflija em sofrer depois, mas que tenha esperança em uma vida incomparavelmente melhor.

Pe. Alex Sandro Sudré, MSC é pároco da Comunidade São José, em Campinas, SP.

Finados da esperança

954629_22366309À luz da ressurreição, finados transfigura-se. Perde as cores escuras e tristes. Substitui os cravos amarelos da apatia diante da morte inexorável pelas rosas brancas e vermelhas da fé e da coragem.
Todas as palavras das ciências calam-se diante da morte. A medicina luta até o último instante de vida do paciente. Quando os sinais vitais se apagam, ela amarga a derrota. E definitiva. Retira-se do cenário. Nesse momento entra a religião. O espiritismo devolve à medicina a palavra, ao acreditar na reencarnação. O morto voltará à mortalidade. E de novo cai sob a jurisdição das ciências e do poder humano. A tradição bíblico-cristã, por sua vez, fecha definitivamente a história humana com a morte. Faz dela momento irreversível. Não há retorno. Terminaram todas as possibilidades do ser humano. Está entregue única e absolutamente à misericórdia poderosa de Deus.

A experiência diária retrata-nos um Deus fraco. O salmista sofre, quando vê o ímpio prosperar e o justo sofrer. Volta-se para Deus e não recebe resposta. Ela é adiada. Jesus mesmo experimentou essa mesma fraqueza de Deus. No horto pede a Deus que lhe afaste o cálice do sofrimento. Mas os homens não renunciaram os planos iníquos e Jesus finda a vida no tormento maior da cruz.

Finados parece ser a celebração do fracasso de Deus. Lá no cemitério estão os inapelavelmente vencidos pela morte, não importam a riqueza que tinham, a santidade com que viveram, o grau hierárquico que ostentaram em vida. Ali na terrível igualdade da decomposição estão todos derrotados.

Finados é o dia do mais estrondoso fracasso. Os vencidos da história podem amanhã ser vitoriosos. E os fatos nos mostraram tantas vezes tal filme. Que o diga o nosso atual presidente!

A derrota de finados não tem vitória possível. Tudo isso seria verdade, se Jesus não tivesse ressuscitado, se Deus não tivesse poder sobre a morte. É na fé da vitória de Deus sobre a morte que se resolve o enigma do sofrimento no mundo, do absurdo da morte.

À luz da ressurreição, finados transfigura-se. Perde as cores escuras e tristes. Substitui os cravos amarelos da apatia diante da morte inexorável pelas rosas brancas e vermelhas da fé e da coragem. A escuridão do silêncio tenebroso do cemitério ilumina-se com a luz fulgurante de Páscoa. Os rostos tristes e chorosos sorriem, ao ouvir a palavra: “quem crê, ainda que esteja morto, viverá”.

No cemitério – termo grego que na etimologia fala de sono, de lugar para dormir -, transforma-se num jardim alegre de crianças. Os cantos das vozes angélicas anunciam aos fiéis, que lá foram visitar os mortos, aquilo mesmo que disseram às mulheres chorosas junto ao túmulo de Jesus: “Por que procurais o vivo entre os mortos? Ele não está aqui, mas ressuscitou” (Lc 24,5s). Na fé, ouvimos no cemitério frases semelhantes. “Por que estais aqui a chorar sobre o túmulo de vosso ser querido? Ele não está aqui. Vive na luz imarcescível de Deus”.

Já é outro finados que celebramos. É o finados da esperança. Para os que não crêem, Finados é só tristeza, saudade, cepticismo ou mesmo cinismo existencial. Enfim, tudo vai dar no nada. Para a fé, Finados é um grande sacramento. É uma palavra de passado. Recorda-nos a vida de nosso morto. O que ele foi, aquilo que ele nos deixou, o amor com que nos amou e com que o amamos. O passado roda o filme da recordação. É uma palavra de presente. Ele aponta para a vida. Já não mais no túmulo, mas junto a nós em Deus com uma vida já não ligada ao tempo e ao espaço. Relação pan-cósmica, pan-crônica. E enfim, é uma palavra de futuro: eles nos esperam para uma vida de luz e plenitude, “para que Deus seja tudo em todos” (1 Cor 15, 28).

Pe. João Batista Libânio é teólogo jesuíta